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Uma nova perspectiva nas licitações públicas: a exigência de sustentabilidade
Destaca-se, no ordenamento brasileiro, alteração na redação do artigo 3º do Estatuto das Licitações. Inicialmente, a Medida Provisória nº 495, de 19.07.2010, havia estabelecido que o procedimento, além de garantir a isonomia e a seleção da proposta mais vantajosa, deveria ainda, promover o “desenvolvimento nacional”. No momento em que a MP nº 495 foi convertida na Lei nº 12.349, de 15.12.2010, acrescentou-se a sustentabilidade como qualificativo do desenvolvimento nacional a ser perseguido nas licitações: “Art. 3º. A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos.” (sem destaque no original)
Da redação dada ao artigo 3º da Lei nº 8.666/93, ao final, denota-se que o certame licitatório, além de instrumento de se promover o desenvolvimento do país, agora deve se submeter à exigência sustentabilidade em todo o procedimento.
Certo é que, nos últimos anos, a sociedade vem absorvendo valores de proteção do patrimônio ambiental, assumindo sua responsabilidade no equilíbrio ecológico e exigindo do Estado providências no sentido de realizar a defesa do meio ambiente. O fato de a população lidar cotidianamente com problemas de esgotamento, poluição nos rios, contaminação alimentícia, intoxicações diversas e até mesmo novas doenças deixam evidente que é preciso atentar para um mínimo de qualidade de vida que evite abuso dos recursos naturais, com potencial comprometimento da sua sobrevivência. Se é verdade que havia uma apatia legislativa e administrativa com relação aos desafios contemporâneos enfrentados nessa seara, também não se pode negar uma maior preocupação do Estado em viabilizar a conscientização social e em proteger os atuais recursos da natureza.
Surge uma preocupação com a realidade futura sujeita a impactos diversos nos meios físico, biótico e socioeconômico. É nesse contexto “que os critérios estratégicos da sustentabilidade, no processo de tomada da decisão, requerem maior distanciamento temporal e a capacidade de prospecção de longo prazo, com o abandono resoluto da visão reducionista segundo a qual o sistema jurídico cuidaria apenas de fatos passados. Em outros termos, o gestor público é instado a exercer, com discernimento, o juízo prospectivo de longo prazo.” Em uma expressão, a doutrina afirma que o horizonte do gestor haverá de ser o horizonte do “Estado Sustentável”.[1]
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O direito ao meio ambiente na jurisprudência e o seu reflexo na atividade estatal
Hoje em dia, na própria jurisprudência reconhece-se o meio ambiente ecologicamente equilibrado definido na Constituição como um aspecto essencial ao futuro da humanidade. O Ministro José Delgado, no REsp nº 588.022-SC, assentou que “o acesso ao meio ambiente ecologicamente equilibrado não é só um direito, mas também um dever de todos. Desse modo, tem obrigação de defender o ambiente não só o Estado, mas, igualmente, a comunidade”, o que é compatível com o seu enquadramento na categoria “direito de terceira geração” levada a efeito pelo Supremo Tribunal Federal. O Ministro Celso de Mello expõe no Mandado de Segurança nº 22.264-0:
“Trata-se, consoante já proclamou o Supremo Tribunal Federal (RE 134.297-SP, Rel. Min. Celso Mello), de um típico direito de terceira geração que assiste, de modo subjetivamente indeterminado, a todo gênero humano, circunstância essa que justifica a especial obrigação – que incumbe ao Estado e à própria coletividade – de defendê-lo e preservá-lo em benefício das presentes e futuras gerações, evitando-se, desse modo, que irrompam, no seio da comunhão social, os graves conflitos intergeracionais marcados pelo desrespeito ao dever de solidariedade na proteção da integridade desse bem essencial de uso comum de todos quantos compõem o grupo social.”[2]
Trata-se do reflexo, nos Tribunais, do entendimento segundo o qual precisamos alcançar padrões equilibrados no uso dos recursos da natureza. É nesse contexto que ganha força a ideia de desenvolvimento sustentável que supera a antiga oposição radical entre desenvolvimento e ecologia; busca-se, numa nova perspectiva, compatibilizar a necessidade de crescimento econômico e de geração de riquezas com a proteção ambiental também indispensável às gerações atuais e futuras. Valiosa é a lição de Édis Milaré:
“Compatibilizar meio ambiente e desenvolvimento significa considerar os problemas ambientais dentro de um processo contínuo de planejamento, atendendo-se adequadamente às exigências de ambos e observando-se as suas inter-relações particulares a cada contexto sociocultural, político, econômico e ecológico, dentro de uma dimensão tempo/espaço. Em outras palavras, isto implica dizer que a política ambiental não deve se erigir em obstáculo ao desenvolvimento, mas sim em um de seus instrumentos, ao propiciar a gestão racional dos recursos naturais, os quais constituem a sua base material.”[3]
O desafio que agora o Estado brasileiro vem enfrentando é como viabilizar, ao satisfazer as demandas administrativas inerentes ao seu funcionamento, que não se coloque em risco a permanência de recursos essenciais à vida humana como a água, o solo, a atmosfera e os ecossistemas. A tentativa é de definir medidas que compatibilizem a aquisição de bens e serviços de que o Poder Público necessita com um mínimo de qualidade de vida para todos, somente presente se garantida proteção mínima de qualidade ambiental. Destaca-se a necessidade de o Estado assumir a responsabilidade pela mobilização em torno da execução de um projeto de desenvolvimento sustentável, inclusive com sensibilização da sociedade ainda não detentora do conhecimento mínimo sobre a questão, significativamente desmobilizada e não participativa.
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O individualismo e o desenvolvimento sustentável: a necessária participação do Estado
Malgrado uma maior conscientização ecológica, indiscutível benefício alcançado na última década, paradoxalmente vivemos o “reino do indivíduo, com a “absolutização do eu” como característica típica da pós-modernidade. Essa verdade nos coloca diante de uma realidade na qual se torna de difícil percepção objetiva a noção do “interesse geral ao desenvolvimento sustentável” como orientadora da gestão pública, mormente quando destinada também à proteção das gerações futuras. Vivemos a crise do vínculo cívico, como bem diagnostica Jacques Chevallier:
“O vínculo político encontra apoio, assim, num civismo que constitui a sua verdadeira substância. Ora, essa dimensão cívica tornou-se problemática devido a uma crise dos mecanismos clássicos de integração à Cidade e da erosão dos contextos ao redor dos quais ela se produz. (…)
Primeiramente, a explosão do individualismo coloca em dúvida o sutil equilíbrio mantido entre o espaço político democrático e a esfera de autonomia individual, que se encontra no núcleo da modernidade: a lógica do desabrochamento individual, que domina não apenas a vida privada, mas ainda determina as formas de investimento na ação coletiva, coloca em novos termos o problema do vínculo social e político e, partindo da ‘governabilidade’, de sociedades nas quais a ‘virtude cívica’ está perdendo velocidade.”[4]
De fato, vivemos em uma época que tende a apresentar doravante um “vínculo social pobre”, repousando não mais sobre uma adesão positiva a um projeto coletivo. Os referenciais de identidade perderam a sua força integrativa. Os valores comuns, que constituíam a base da cidadania, tendem a desaparecer devido a uma crise do civismo resultante de esmaecidos vínculos sociais.[5] Todos esses aspectos incrementam a responsabilidade do Estado ao produzir normas e decisões administrativas inseridas num processo de sustentabilidade.
Relativamente às suas próprias contratações, é lógico esperar da Administração que atente à durabilidade de um bem ou recurso, de modo a proteger ecossistemas naturais e demandas incidentes sobre processos de produção ou consumo. Cabe ao Poder Público aferir a repercussão de como são explorados os recursos necessários à realização de uma obra, serviço ou bem móvel de que necessita. Num mundo com flagrante déficit hídrico, ao Estado não é lícito ignorar a forma como será manipulada a água necessária ao cumprimento de um determinado objeto contratual. É preciso que instrumentos tecnológicos e recursos da natureza sejam eficazes na construção da sustentabilidade indispensável ao contexto atual. Assim, as tecnologias devem consumir menos energia, os recursos devem produzir a menor quantidade de resíduos possível, a produção deve evitar emissão dos gases responsáveis pelo efeito-estufa, os bens devem ser reaproveitados de modo a reduzir o consumo desnecessário e evitar os males ambientais.
Reconhece-se que o desenvolvimento sustentável consiste em um objetivo inalcançável sem participação do Estado. Cabe a ele, integrar às suas múltiplas dimensões de atuação como o fomento e a indução, mais essa consideração, donde se concluir necessário adotar esse objetivo nas suas linhas específicas de ação e como característica geral de seu agir em qualquer segmento.[6]
O que se requer é uma gestão racional levada a efeito pela própria Administração Pública. Sobre essa matéria, buscando um equilíbrio entre a necessidade de atuar economicamente e preservar os recursos naturais, a jurista portuguesa Carla Amado Gomes escreve:
“A gestão racional constitui a forma de prosseguir activamente o objectivo de prevenção, não condenando ao retrocesso económico e tecnológico a actividade humana. Gere-se racionalmente não só prevenindo danos a bens não regeneráveis, como veiculando o aproveitamento de recursos essenciais à vida humana e ao progresso tecnológico, com respeito pela sua fragilidade e tendencial finitude. Institutos como as quotas de pesca, os limites de emissão de poluentes para a atmosfera, para a água, para o solo, a identificação de espécies ameaçadas ou mesmo em vias de extinção, concretizam o objectivo de prevenção de forma muito positiva, tentando encontrar o ponto de equilíbrio entre a necessidade de continuar a utilizar o recurso e a necessidade – muitas vezes imperiosa – da sua preservação.”[7]
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Princípios da sustentabilidade e suas repercussões
Ao tratar dos princípios de uma vida sustentável, a doutrina vem indicando alguns princípios orientadores: 1) respeitar e cuidar da comunidade dos seres vivos; 2) melhorar a qualidade da vida humana; 3) conservar a vitalidade e a diversidade do planeta (conservar sistemas de sustentação da vida, a biodiversidade e o uso sustentável dos recursos renováveis); 4) minimizar o esgotamento de recursos não-renováveis; 5) permanecer nos limites da capacidade de suporte do planeta; 6) modificar atitudes e práticas pessoais; 7) permitir que as comunidades cuidem de seu próprio meio ambiente; 8) gerar uma estrutura nacional para integração de desenvolvimento e conservação; 9) constituir uma aliança global.[8] Como premissas, reconhece-se: a) que suas feições são multidimensionais (ética, social, econômica, jurídico-política e ambiental; b) que vincula ética e juridicamente, inclusive ao assegurar a tutela das gerações futuras, pois se trata de princípio constitucional implícito; c) que não se coaduna com a crença fetichista e falaciosa no crescimento material como fim em si; d) que é diretiva necessariamente associada ao bem-estar duradouro.[9]
Tais princípios e premissas devem orientar as ações do Estado. Tem-se claro lastro que ampara, p. ex., ato administrativo que fixa limites razoáveis para emissões de poluentes ou que impõe um procedimento para descarte e/ou aproveitamento de materiais. “Não se trata de o administrador empreender inovação legislativa, nem de cometer usurpação de competência, senão de cumprir o dever de, no âmbito de suas atribuições regulatórias ou fiscalizatórias, imprimir a eficácia máxima possível à Constituição, no seu cerne.” Com efeito, “não se trata de simples faculdade, mas de obrigação constitucional e legal realizar licitações e contratações administrativas sustentáveis em todos os Poderes e por todos os poderes.” Trata-se de um dever veio para permanecer. É indispensável “promover a reconformação da arquitetura das instituições e dos comportamentos: guiado pelo imperativo fundamental da sustentabilidade, o gestor precisa, em todas as relações de administração, promover o bem-estar das gerações presentes, sem inviabilizar o bem-estar das gerações futuras, cujos direitos fundamentais são, desde logo, plenamente reconhecidos pelo ordenamento jurídico.” Sob esse novo prisma, tem-se como obrigatórios os critérios de sustentabilidade nas contratações públicas que precisam encarnar, em larga medida, políticas públicas que ensejam o bem-estar das gerações presentes, sem impedir que as gerações futuras produzam o próprio bem-estar. “Devem operar, para tanto, com modelos e estimativas seguras, inteligíveis e confiáveis dos custos e benefícios sociais, ambientais e econômicos, levando em conta a preferência simultânea por menores impactos negativos e maiores benefícios globais.”[10]
As exigências de sustentabilidade vinculam, pois, inclusive a formatação de instrumentos convocatórios que regerão licitações ao final de que serão celebrados contratos administrativos para fornecimento de bem, realização de obra ou prestação de um serviço. Se a Constituição de 1988 já adotara o desenvolvimento sustentável no artigo 225, é certo que a Lei Federal nº 8.666 também consagrou esse princípio de forma expressa no artigo 3º, com a redação atribuída pela Lei Federal nº 12.349. Consequentemente, o mesmo vincula os comportamentos públicos em procedimento licitatório.
Sobre o princípio do desenvolvimento sustentável, já se pronunciou o STF:
“O princípio do desenvolvimento sustentável, além de impregnado de caráter eminentemente constitucional, encontra suporte legitimador em compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro e representa fator de obtenção do justo equilíbrio entre as exigências da economia e as da ecologia, subordinada, no entanto, a invocação desse postulado, quando ocorrente situação de conflito entre valores constitucionais relevantes, a uma condição inafastável, cuja observância não comprometa nem esvazie o conteúdo essencial de um dos mais significativos direitos fundamentais: O direito à preservação do meio ambiente, que traduz bem de uso comum da generalidade das pessoas, a ser resguardado em favor das presentes e futuras gerações e especialmente protegidos qualificam-se, por efeito da cláusula inscrita no art. 225, §1º, III, da Constituição, como matérias sujeitas ao princípio da reserva legal”.[11]
Também a doutrina vem assentado que a sustentabilidade não é princípio abstrato ou de observância adiável: “vincula plenamente e se mostra inconciliável com o vicioso descumprimento da função socioambiental dos bens e serviços”. O entendimento é que dela decorre a obrigação de reavaliar políticas públicas, cobrar a alocação equitativa de recursos públicos poupados e direcionados à universalização do bem-estar físico psíquico e espiritual, pois “O próprio Estado Constitucional só faz sentido a serviço dos fins éticos relacionados à sustentabilidade do bem-estar.” Nesse Estado Constitucional inserem-se direitos como à longevidade digna, à alimentação sem excessos e sem carências, ao ambiente limpo com energias renováveis, à educação, à democracia preferencialmente direta, à informação livre e de conteúdo apreciável, ao processo judicial e administrativo com desfecho tempestivo, à segurança, à renda oriunda do trabalho honesto, à boa administração pública, à moradia digna e segura. Dos artigos 3º, 170, VI e 225 da CF brota a sustentabilidade “que prescreve o desenvolvimento continuado e durável, socialmente redutor das iniquidades, para presentes e futuras gerações, sem endossar o crescimento econômico irracional, aético, cruel e mefistofélico.[12]
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Contratações e licitações sustentáveis: exigência obrigatória
As contratações públicas sustentáveis permanecem calcadas na especificação e na adequação do objeto contratado pelo Poder Público às necessidades dos órgãos e entidades administrativas, para bem cumprir sua finalidade institucional. Além disso, a sua legitimidade exige proteção do meio ambiente sadio e equilibrado como elemento do interesse público primário.[13]
Com fulcro em tais ponderações, surge clara a necessidade de a Administração, em suas licitações, atentar para uso de tecnologias limpas, para a viabilidade de aquisição de produtos “verdes” e de investir em energias renováveis, para o emprego de técnicas agrícolas racionais e de processos de reciclagem material e imaterial, para o uso de energia solar para aquecimento, para o redesenho da matriz de transportes com oferta de alternativas viáveis, para o aproveitamento de água e uso de materiais biodegradáveis, para a adoção de práticas de desfazimento sustentável ou de reutilização de bens, além do uso racional das propriedades públicas e privadas.
Sobre a obrigatoriedade protetiva do meio ambiente resultante do conjunto de normas atualmente vigentes e, em especial, do artigo 3º do Estatuto das Licitações, aduz Juarez Freitas:
“A obrigatoriedade de licitações sustentáveis, em todas as esferas federativas, isto é, cumpre partir para a implementação imediata das licitações sustentáveis, com a adoção de critérios objetivos, impessoais e fundamentados de sustentabilidade para avaliar e classificar as propostas, em todos os certames, com novo conceito de proposta vantajosa. A obrigatoriedade decorre da aplicação direta do princípio em tela, tese facilitada após sua recente explicitação, que alterou o art. 3º da Lei de Licitações.”[14]
Tem-se como necessário, pois, que as licitações adaptem-se à agenda da sustentabilidade já em vigor, numa perspectiva includente daqueles que a executam. Assim sendo, tem-se fundamento normativo suficiente que embase determinações editalícias excludentes de contratações deletérias do meio ambiente e capazes de incluir, nos negócios públicos, pessoas comprometidas com a sustentabilidade. Referidas ações afirmativas nada mais fazem do que concretizar o compromisso constitucional expresso, agora também explicitado no Estatuto das Licitações. Trata-se de responsabilidade do Estado cumprir simultaneamente a exigência sustentabilidade, ao concretizar o desenvolvimento material e imaterial que lhe cabe, mediante celebração de contratações diversas.
Esse novo panorama é o resultado do inconformismo com a omissão do Estado em realizar direitos fundamentais como proteção ao meio ambiente. Para escapar do que a doutrina qualifica “falha na guarda preventiva da sustentabilidade” pela Administração, tem-se que, agora, “os editais precisam, sem exceção, adotar critérios de concretização direta do princípio da sustentabilidade, com todas as consequências significativas em matéria de qualificação técnica dos contratados.”[15] Nesse sentido, o direito fundamental à proteção ambiental e o princípio da sustentabilidade consistem em limite à discricionariedade administrativa presente quando da elaboração de atos normativos como instruções e portarias regulamentadoras de licitações, bem como dos editais e das cartas-convite. A exigência, para que sejam firmados contratos administrativos, de produtos que possuam maior durabilidade e que causem menor impacto ambiental pode resultar em mudanças significativas no mercado, tendo em vista o interesse das empresas em auferir lucro em negócios firmados pelo Estado. O poder de compra estatal torna-se, assim, em eficiente instrumento de concreção do desenvolvimento sustentável. A propósito, a doutrina pontua:
“Melhor dizendo, é o Poder Público o principal ator a figurar como agente indutor de políticas públicas ambientais, aí incluídas aquelas que tratam dos critérios de sustentabilidade para as compras governamentais.
(…)
O poder de compra governamental funciona como um relevante instrumento de promoção do desenvolvimento sustentável. Valendo-se deste poder, estimado entre 10% do PIB, o Estado brasileiro deve induzir o comportamento do setor produtivo, orientando-o em favor da incorporação de critérios de sustentabilidade na elaboração de bens e serviços, criando as condicionantes favoráveis para o estabelecimento definitivo de um mercado de produtos sustentáveis. A concretização de tal hipótese, antes de tudo, conferiria alto grau de efetividade à tutela ambiental”.[16]
Não é em outro sentido a lição de Juarez Freitas:
“Outro ponto, com o seu gigantesco poder de contratação (mais de dez por cento do PIB), cumpre ao Poder Público influenciar a matriz produtiva, num foco de convergência para que os fornecedores, públicos e privados, comecem a se tornar vigilantes quanto à sustentabilidade do ciclo de vida dos produtos – desde a obtenção de matérias-primas e insumos, passando pelo processo produtivo e consumo até a disposição final. Eis uma providencial alteração de compreensões prévias, que ostenta o condão de reorientar, na íntegra, as contratações em geral.”[17]
Não há dúvida que o artigo 12 da Lei de Licitações já determinava que fosse considerado nos projetos básicos e executivos de obras e serviços, o impacto ambiental, assim como a funcionalidade e adequação ao interesse público. Estudos de Impacto Ambiental e Relatórios de Impacto Ambiental afiguram-se como documentos indispensáveis ainda na fase interna da licitação. Também já se indica que procedimentos licitatórios com julgamento pela melhor técnica ou técnica e preço contemplem, de forma objetiva, critérios ambientais como fator de pontuação das propostas, levando-as em conta na definição da proposta que melhor atende o interesse público. No entanto, a sustentabilidade inserida pela Lei nº 12.349, de 15.12.2010 inova e integra novas medidas como possíveis. Ao especificar os objetos nos termos de referência, projetos básicos e projetos executivos, podem constar quesitos como, por exemplo, baixo consumo e racionalização do uso de água ou de energia elétrica, visando contribuir para a efetiva proteção ambiental. A intenção é privilegiar tecnologias limpas, redução de desperdício de materiais e combustíveis, processos produtivos ambientalmente responsáveis e com respeito a direitos trabalhistas e previdenciários, uso de metodologia de aferição da relação custo durabilidade, da disposição final de resíduos e da difusão de boas práticas de modelo de gestão contratual. Para tanto, é preciso identificar quais são os critérios e regras de sustentabilidade aplicáveis a cada produto, promover atividades de educação ambiental com conscientização dos servidores quanto às boas práticas administrativas e ambientais, ao que se acresce o esclarecimento do público (interno e externo) sobre o papel do Estado na questão ambiental, inclusive servindo de exemplo de eficiência de gestão.[18]
[1] FREITAS, Juarez. Licitações e sustentabilidade: ponderação obrigatória dos custos e benefícios sociais, ambientais e econômicos. Interesse Público. Belo Horizonte: Fórum, a. XIII, n. 70, p. 28, nov./dez. 2011.
[2] EUSTÁQUIO, Leandro. Direito ambiental para concursos. Jurisprudência do STF, STJ e exercícios selecionados. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 3.
[3] MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 53.
[4] CHEVALLIER, Jacques. O Estado pós-moderno. Tradução de Marçal Justen Filho, Belo Horizonte: Fórum, 2009, p. 83; 123; 134; 196-197.
[5] CHEVALLIER, Jacques. O Estado pós-moderno., op. cit., p. 197-198.
[6] VALLE, Vanice Regina Lírio. Sustentabilidade das escolhas públicas: dignidade da pessoa traduzida pelo planejamento público. A&C Revista de Direito Administrativo & constitucional. Belo Horizonte: Fórum, a. 11, n. 45, p. 130-131, jul./set. 2011.
[7] GOMES, Carla Amado. Direito administrativo do ambiente. In: Tratado de Direito Administrativo Especial: v.I. Coord. OTERO, Paulo. GONÇALVES, Paulo. Coimbra: Almedina, 2009, p. 191.
[8] MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário, op. cit., p. 65-68.
[9] FREITAS, Juarez. Sustentabilidade: direito ao futuro. Belo Horizonte: Fórum, 2011, p. 18-19.
[10] FREITAS, Juarez. Licitações e sustentabilidade: ponderação obrigatória dos custos e benefícios sociais, ambientais e econômicos. Interesse Público. Belo Horizonte: Fórum, a. XIII, n. 70, p. 19; 22 e 35, nov./dez. 2011.
[11] ADI-MC nº 3.540-DF, rel. Min. Celso de Mello, Pleno do STF, DJU de 03.02.2006.
[12] FREITAS, Juarez. Sustentabilidade: direito ao futuro, op. cit., 2011, p. 39; 59; 64-65 e 117.
[13] VIEIRA, André Luís. Contratações públicas sustentáveis. Fórum de Contratação e Gestão Pública. Belo Horizonte: Fórum, a.9, n. 100, p. 34, abr.-2010.
[14] FREITAS, Juarez. Sustentabilidade: direito ao futuro, op. cit., p. 90-91.
[15] FREITAS, Juarez. Sustentabilidade: direito ao futuro, op. cit., p.230-231.
[16] VIEIRA, André Luís. Contratações públicas sustentáveis, op. cit., p. 33 e 39.
[17] FREITAS, Juarez. Licitações e sustentabilidade: ponderação obrigatória dos custos e benefícios sociais, ambientais e econômicos. Interesse Público, op. cit., p. 19, itálico no original.
[18] VIEIRA, André Luís. Contratações públicas sustentáveis, op. cit., p. 37-39.