Integra o regime jurídico administrativo atualmente não apenas regras aprovadas pelo Poder Legislativo, mas também princípios diversos, tratados ratificados pelo Parlamento, medidas provisórias, decretos do Chefe do Executivo, instruções, portarias, circulares, resoluções e outros atos regulatórios da Administração Pública. A despeito das críticas feitas à “histeria dos princípios” e ao arbítrio decorrente do que parte da doutrina denomina “panprincipiologismo”, é certa força normativa positiva e negativa da impessoalidade, moralidade, eficiência, proporcionalidade, segurança jurídica, confiança legítima, boa-fé objetiva, precaução, prevenção, proibição de retrocesso, progressividade, dentre outras exigências principiológicas que obrigam a atividade administrativa.
Em relação aos citados princípios, tem-se que a maioria deles apresenta repercussão direta no conteúdo da ação administrativa, determinando que o Estado deve realizar eficientemente suas atribuições, atender a ética pública e a boa-fé em cada comportamento, de modo a tornar concreta a segurança jurídica a que fazem jus os cidadãos cuja confiança não pode ser frustrada, daí por que também é necessário que cada autoridade evite vícios prováveis ou possíveis, sem retroceder quanto a vantagens já previstas em lei e realizadas pela Administração a quem incumbe fazer evoluir o conjunto de direitos vigentes.
É preciso advertir que a concreção desses aspectos depende de uma série de medidas instrumentais, que sejam aptas a garantir até mesmo o controle da efetividade dos princípios mencionados. De fato, de nada adianta falar em moralidade e combate à corrupção, se não se tem conhecimento do conteúdo dos atos estatais. A transparência é condição indispensável para que se possa aferir se, em dada realidade, aconteceu ou não uma prática corrupta, com comprometimento da ética pública e da boa-fé exigida de todos os agentes e cidadãos. É inócuo falar em impessoalidade, se não se exige motivação adequada e tempestiva de quem exerceu dada competência administrativa; afinal, é praticamente inviável concluir se ocorreu favoritismo ou perseguição sem o acesso mínimo às razões fáticas e jurídicas de um dado comportamento público. Também não adianta sonhar com eficiência, segurança jurídica ou confiança legítima se sequer conseguimos absorver, no cotidiano administrativo, a necessidade do devido processo legal, com outorga das garantias da ampla defesa e do contraditório a todos aqueles que podem ter o seu universo jurídico afetado pela atividade do Estado.
O que se pretende frisar é que falar teoricamente em uma dada exigência sem assegurar os instrumentos que garantam a aferição do seu cumprimento é o caminho perfeito para manipulação aleatória, captura indevida privada ou governamental e verdadeiro entretenimento alienante da sociedade. Assim, por exemplo, já ocorreu em mais de um país e em mais de um momento, que o discurso da recuperação moralidade e do combate à corrupção, desacompanhado da efetividade das garantias constitucionais basilares, não tenha produzido qualquer resultado efetivo; no Brasil períodos de discursos sobre o “fim da corrupção” culminaram no impeachment de Presidente da República, como à época do Governo Collor, ou mesmo em ato de renúncia que abreviou mandato de Presidente da República, como à época do Governo de Jânio Quadros.
O que custou séculos ao direito público evidenciar foi que a mera imposição formal e abstrata de normas cujo conteúdo potencialmente é capaz de promover uma atividade administrativa adequada, por si só, não é suficiente para assegurar que se alcance o resultado desejado. Existem garantias sem as quais não só se dificulta a concretização das finalidades desejadas e impostas pelas normas, mas cuja ausência é instrumento de realização contrária do que se diz buscar. Isso até mesmo ponderando a essencialidade do controle como condição para se obter a atuação estatal lícita ou para restaurar a sua juridicidade.
A esse respeito, destaca-se o maior risco para a sociedade: um discurso que afirma desejar realizar algo e que não é acompanhado dos instrumentos necessários (sem os quais esse “algo” não se concretiza) traz, implícita, as condições fáticas para que se realize até o oposto do “algo”, com destruição do pouco do “algo” que até então tenha ocorrido. Em outras palavras: falar que quero combater a corrupção e não assegurar transparência, com concreção da publicidade do artigo 37 da Constituição e da Lei Federal nº 12.257/2011, é o caminho perfeito para comprometer até mesmo os atuais instrumentos, ainda ineficientes. Sem publicidade, corre-se o risco de não se ter qualquer repercussão da Lei de Improbidade Administrativa, da Lei Anticorrupção Empresarial, das atividades das corregedorias dos órgãos e entidades do Estado, das investigações policiais e dos inquéritos do MP, dos demais mecanismos de controle interno da Administração e externo, na via judicial e das Cortes de Contas. Se ninguém souber o que fazem os agentes públicos, como ter certeza quanto ao efetivo e uniforme combate à corrupção? O discurso da probidade é vazio, instrumento de captura e alienante social, se desacompanhado de disposição efetiva e real para garantir a informação como um direito fundamental de cada cidadão. As atividades do Estado requerem algumas premissas, como p. ex. a transparência, como mecanismos sem os quais o restante do edifício normativo fragiliza-se na realidade social e termina ruindo, com a frustração das expectativas de aperfeiçoamento público.
O raciocínio explicitado torna evidente a importância de alguns princípios cuja instrumentalidade, para garantia da efetividade dos demais, é clara: publicidade, motivação, devido processo legal, ampla defesa e contraditório. Sendo assim, recomenda-se o aprofundamento no exame de cada um deles, sob a perspectiva da Constituição, da legislação vigente, da doutrina comparada e pátria, além da orientação jurisprudencial clássica e atualizada. Trata-se da única forma de assegurar o mínimo de um Estado que ainda se pretenda Democrático de Direito: o conhecimento técnico como forma de, nas engrenagens públicas, preservar conquistas anteriores, ampliando-as. I have a dream.