O Ministério da Transparência e Controladoria Geral da União divulgou três novos enunciados da Corregedoria Geral da União:
Enunciado 20: “O compartilhamento de provas entre procedimentos administrativos é admitido, independentemente de apurarem fatos imputados a pessoa física ou a pessoa jurídica, ressalvadas as hipóteses legais de sigilo e de segredo de justiça.”
Enunciado 21: “A autoridade julgadora poderá, motivadamente, agravar a penalidade proposta, sendo desnecessária a abertura de novo prazo para a apresentação de defesa.”
Enunciado 22: “As ausências injustificadas por mais de trinta dias consecutivos geram presunção relativa da intenção de abandonar o cargo.”
(http://www.cgu.gov.br/noticias/2018/02/cgu-publica-tres-novos-enunciados-sobre-materia-correicional)
No tocante ao enunciado 20, é certo que a doutrina já admitia a prova emprestada, desde que satisfeitas determinadas condições que assegurem ampla defesa, contraditório, devido processo legal e a própria verdade material.[1] Diante do enunciado da CGU, parte da doutrina tem demonstrado desassossego com a sua interpretação à luz dos princípios constitucionais (https://www.conjur.com.br/2018-mar-08/prova-emprestada-entre-processos-administrativos-enunciado-cgu). Ressalte-se que o Pleno do Supremo Tribunal Federal, ao analisar o uso de prova judicial em processos disciplinares, assentara que “Dados obtidos em interceptação de comunicações telefônicas e em escutas ambientais, judicialmente autorizadas para produção de prova em investigação criminal ou em instrução processual penal, podem ser usados em procedimento administrativo disciplinar, contra a mesma ou as mesmas pessoas em relação às quais foram colhidos, ou contra outros servidores cujos supostos ilícitos teriam despontado à colheita dessa prova”.[2] O Superior Tribunal de Justiça proclamou, em mais de uma oportunidade: “No que se refere à prova emprestada, consignou ser cabível a sua adoção no PAD consoante a jurisprudência do STF e do STJ, desde que respeitados os princípios citados”[3], tendo uniformizado o entendimento na Súmula 591: “ É permitida a prova emprestada no processo administrativo disciplinar, desde que devidamente autorizada pelo juízo competente e respeitados o contraditório e a ampla defesa.”
O enunciado 21, por sua vez, consagra a possibilidade de a autoridade julgadora agravar a pena imposta ao acusado em processo disciplinar sem a necessidade de abertura de outro prazo para defesa, desde que satisfeita a exigência da motivação. A esse respeito, é certo que parte da doutrina invoca a legalidade como fundamento permissivo do agravamento da situação do recorrente em processos disciplinares. Outros enquadram qualquer agravamento como “reformatio in pejus”, instituto que merece críticas da maioria doutrinária, à luz dos princípios constitucionais.[4] Foi o STJ que, analisando a natureza do parecer da comissão processante e da decisão da comissão julgadora, advertiu para o fato de ser vedada a “reformatio in pejus” somente após o julgamento definitivo da autoridade competente. Sendo assim, não haveria que se falar em agravamento ilegal se, diante de uma manifestação opinativa de uma reprimenda com menor potencial restritivo pela comissão processante, a autoridade de fato competente para julgar o processo disciplinar verificasse a adequação de uma sanção mais rigorosa. Em outras palavras: diante do parecer da comissão processante sugerindo pena de menor gravidade, a decisão da autoridade julgadora aplicando, motivadamente, sanção mais rigorosa não consiste “reformatio in pejus”.[5] O que fez a CGU foi explicitar que a desnecessidade de se obrigar a abrir novo prazo de defesa sempre que a autoridade julgadora for divergir da comissão processante, entendendo aplicável sanção mais rigorosa do que a sugerida no parecer de natureza opinativa.
Quanto ao enunciado 22, a CGR uniformiza o entendimento de que ausências ao serviço por mais de trinta dias, sem apresentação de justificativa hábil, em si mesmas, evidenciam o propósito de abandonar o cargo, sem a necessidade de dilação probatória quanto ao aspecto anímico e interno da vontade do servidor. Atenta-se para o comportamento objetivo do infrator como elemento que evidencia, em princípio, menosprezo pela função pública, tendo em vista a permanência em situação sabidamente irregular, como a inassiduidade, por mais de um mês. Considerando, entretanto, que, em determinadas situações, a realidade funcional pode ser diversa, o enunciado 22 estabeleceu a natureza relativa da presunção da intenção de abandono do cargo. Legitima-se, pois, ao servidor infrator, demonstrar justificativa razoável capaz de afastar a intenção de abandono resultante objetivamente do seu comportamento infracional. Caso o interessado não faça prova da escusa, reconhece-se o ânimo de abandonar, conforme jurisprudência atual.[6]
[1] MOREIRA, Egon Bockmann. Processo administrativo. Princípios Constitucionais e a Lei 9.784/99. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 253; FERRAZ, Sérgio. DALLARI, Adilson Abreu. Processo Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2001 p. 135; CUNHA, Marcio Felipe Lacombe. Da retroatividade da lei mais benéfica ao servidor público acusado em sede de processo administrativo disciplinar. Fórum Administrativo – Direito Público. Belo Horizonte: Fórum, ano 10, n. 108, p. 72-75, fev. 2010
[2] Questão de Ordem em Questão de Ordem em Inquérito nº 2.424-RJ, rel. Min. Cezar Peluso, Pleno do STF, DJe de 23.08.2007.
No mesmo sentido, confira-se a seguinte decisão do STJ: Agravo Interno no RMS nº 45.718-RS, rel. Min. Herman Benjamin, 2ª Turma do STJ, DJe de 19.04.2017
[3] MS nº 13.161-DF, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, 3ª Seção do STJ, julgamento em 23.02.2011, Informativo 464 do STJ
[4] Em sentido contrário à “reformatio in pejus”, destaca-se a seguinte doutrina: FERREIRA, Daniel. Sanções Administrativas. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 129;
LIMA, Raimundo Márcio Ribeiro. O princípio da proibição da reformatio in pejus e os princípios do regime jurídico-administrativo: uma improvável conciliação! Boletim de Direito Administrativo. São Paulo: NDJ, ano XXVI, nº 6, junho de 2010, p. 683-704.
É minoritária a corrente que admite a “reformatio in pejus”: PEREIRA NETO, Luiz Gonzaga. Coisa julgada administrativa e a possibilidade de “reformatio in pejus” no âmbito do processo administrativo disciplinar. Jus Navigandi, Teresina, ano 14, n. 2327, 14 nov. 2009. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/13854>. Acesso em: 11 ago. 2011.
Confira-se, ainda: LIMA, Raimundo Márcio Ribeiro. O princípio da proibição da reformatio in pejus e os princípios do regime jurídico-administrativo: uma improvável conciliação! Boletim de Direito Administrativo. São Paulo: NDJ, ano XXVI, nº 6, junho de 2010, p. 683-704
[5] “É possível à autoridade julgadora discordar do relatório final elaborado pela Comissão Disciplinar, sem que isso importe indevida reformatio in pejus, desde que o faça de forma fundamentada, como se verifica na espécie, nos termos dos artigos 168 e 169 da Lei nº 8.112/90.” (MS nº 14.039-DF, rel. Min. Felix Fischer, 3ª Seção do STJ, DJe de 07.08.2009)
[6] MS nº 15.259-DF, rel. Min. Eliana Calmon, 1ª Seção do STJ, DJe de 01.09.2010; Apelação Cível nº 1997.34.00.030780-1/DF, rel. Juíza Federal Convocada Rogéria Maria Castro Debelli, 2ª Turma do TRF da 1ª Região; DJF1 de 13.07.2009, p. 203
Afirmando ser ônus do servidor fazer a prova da ocorrência de força maior ou de receio justificado de perda de um bem mais precioso, como a liberdade, como justificativa do abandono, tem-se as seguintes decisões do STJ: Agravo Regimental no Agravo em REsp nº 111.032-SP, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe de 29.06.2016
Confira-se, ainda: Agravo Regimental no RMS nº 31.529-PR, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, 5ª Turma do STJ, DJe de 21.08.2014.