Eficiência e eficácia à luz da Ciência da Administração
Um dos pilares da sociedade moderna tem sido a perseguição da otimização de resultados e da maximização dos benefícios em cada situação. Tais referenciais são impostos a qualquer atuação individual ou coletiva. Para tanto, além do planejamento obsessivo, busca-se o aperfeiçoamento das técnicas necessárias para se atingir resultados ambiciosos previamente fixados.
Nesse contexto, é necessário enquadrar os conceitos de eficiência e de eficácia que, embora sejam vulgarmente utilizados como sinônimos, apresentam acepções científicas diversas.
A eficácia, para a Ciência da Administração, é a medida do alcance de resultados, estando relacionada ao sucesso no alcance dos objetivos. Trata-se de elemento pertinente com aspectos externos da conduta. A eficiência, por sua vez, é a medida da utilização dos recursos nesse processo, estando relacionada com os meios e métodos de trabalho empregados internamente. Nesse sentido, eficácia tem relação com o sucesso nos objetivos (paradigma exterior a quem age) e a eficiência está vinculada com os investimentos realizados por quem age (análise pessoal e interna).
Isto quer dizer que uma pessoa pode ser extremamente eficiente e nem assim ser eficaz, ou seja, fazer tudo direitinho, mas não chegar lá, sendo certo que o mundo está cada vez mais a fim do “chegar lá”, mesmo que o caminho seja o pior possível.
De fato, embora de forma não declarada, transitamos da máxima “os fins justificam os meios” para a ordem absoluta “use os meios de que precisar ou até mesmo os ignore, mas atinja o fim a qualquer custo”. Isto significa proibição de abrir mão da eficácia, sem exceções.
Não dá para ignorar que é o emprego uma lógica guerreira, objetiva e – por que não dizer? – masculina de encarar as coisas. Segundo essa ótica, pouco importa se o juiz marcou o gol de mão, aos 46 do segundo tempo. O jogo foi ganho. Olha a eficácia aí. Danem-se as faltas cometidas gratuitamente, as finalizações desperdiçadas, a falta de coesão entre a equipe. Pouco importa a ineficiência. A partida está no papo, vamos beber uma cerveja e comemorar.
O princípio da eficiência no artigo 37 da CR a partir da eficácia e em oposição à legalidade
É preciso reconhecer que essa compreensão de eficácia – atingir metas, fazer “gol” – influenciou a noção dada ao princípio da eficiência consagrado no artigo 37 da Constituição da República. Desde 1998, quando a EC 19 introduziu o referido princípio no texto constitucional, a noção prevalecente é a de insatisfação com a “mera legalidade estrita” e o compromisso principal com o “atingimento de resultados” administrativos.
Não faz sentido a lógica excludente entre legalidade e eficiência presente neste raciocínio. Ademais, à luz de uma compreensão mais ampla do Estado (e da vida), existe algo interno à conduta (e à legalidade) que condiciona a medida de sucesso verdadeiro. E isto não significa que seja razoável jogar um bolão e perder de 1 X 0, no único contra-ataque da partida, muito menos realizar centenas de procedimentos formais sem chegar ao resultado imposto à Administração Pública. Ninguém quer ser a seleção brasileira de 1982, na copa do mundo… Mas o fato é que ganhar um jogo com o gol de mão aos 46 do segundo tempo não é tolerável, assim como não o é firmar um contrato de prestação de serviços por um ótimo preço, sem a realização do procedimento licitatório imposto pelo ordenamento como condição simultânea de moralidade, impessoalidade e isonomia. E não se trata de puritanismo hipócrita ou legalismo estéril, mas do fato de que, em inúmeras situações, faz um enorme sentido ser eficiente sem se permitir aprisionar pela obsessão à ideia isolada de eficácia, principalmente quando se analisa, numa perspectiva ampla, as diversas implicações e valores ali presentes.
Não se pode ignorar, ainda, a dificuldade de determinar o tal “resultado” a ser perseguido. De fato, é preciso indagar, principalmente em se tratando de atividade administrativa do Estado, o que é chegar “lá”? Onde está “lá”? O que é “lá”? Qual é o “gol” em cada partida jogada pelo Poder Público? Que meta é esta a ser atingida? E esse critério único é o jeito adequado de mensurar o sucesso verdadeiro? Como estabelecer isso numa perspectiva sistêmica, em um mundo com demandas as mais variadas e volumosas, em constante conflito?
Como chegar à efetividade
Torna-se claro que um aspecto crítico está na fixação do objetivo, do indicador de desempenho, do resultado a ser perseguido. Não parece possível fixar concretamente elementos específicos aptos a indicar, de modo objetivo, qual é o resultado ideal em cada situação que o Estado enfrenta. Ignorar essa dificuldade é correr o risco da ilusão da eficiência, diante de relatórios e centenas de planilhas de controle, sem que a realidade corresponda ao retratado virtual e papelizadamente. A análise matemática da eficácia é comprometida desde a sua origem, em muitas situações enfrentadas pela Administração Pública. Medi-la significa, sim, comparar o resultado final com um objetivo inicialmente posto. Quando se relativiza a meta inicial, quando não se delimita o que é o gol em cada realidade, quando é até pouco provável mensurar objetivamente que finalidades devem ser necessária e especificamente alcançadas, ganha espaço a valorização dos meios, ou seja, a eficiência.
Talvez, neste caso, seja inevitável cair em um lugar comum: na maior parte dos casos, importa muito o caminho e não somente a chegada. Isto não significa ignorar que estamos no caminho com a intenção de chegar a um determinado lugar. Que ninguém imagine que pode conduzir a vida sem mirar numa efetividade externa da ação. Que o Poder Público não esqueça que suas atividades administrativas têm por objetivo principal satisfazer as demandas da sociedade, construindo um Estado Democrático de Direito tal como preceituado na Constituição. Que também se reconheça a importância de pensar no que foi colocado como objetivo que, cumprido, dará a medida do acerto. Que não se ignorem os riscos de um planejamento ou mensuração inadequados. E que não se despreze o gozo e o prazer do investimento realizado como meio de se chegar ao fim.
Ao final, é provável descobrir que um caminho de sábia eficiência conduz à desejada eficácia, o que nos leva, enfim, à efetividade. Em outras palavras: a melhor forma de ganhar uma partida (eficácia), é jogar um bolão (eficiência). E é exatamente da combinação da eficiência como caminho a se percorrer até eficácia que nasce a efetividade, noção a ser considerada na interpretação do artigo 37 da Constituição e em junho próximo. Simbora Tite!
(Embora escrito antes do projeto TECLA SAP surgir, esse é um paper perfeitamente adaptado à ideia do diálogo “juridiquês-português”. Vale aproveitar a leveza do texto.)