Inúmeras são as mudanças pelas quais o Direito Administrativo vem passando nos últimos anos. Alguns desses temas vem sendo discutidos em Congressos e Seminários, assim como em especializações strictu e lato sensu. Poucos são tratados nos manuais tradicionais, ensejando o aprofundamento em TCC’s, dissertações de mestrado e até mesmo em teses de doutorado. Um espaço genuíno para transdisciplinariedade e vinculação dessa disciplina tão essencial no século XXI.
Acreditando na produção acadêmica de alunos e professores, partilho algumas ideias estruturadas quando do Congresso Mineiro de Direito Administrativo de 2019:
– O uso da tecnologia na atividade administrativa do Estado
(possível discutir o uso de blockchain para contratações públicas como, p. ex., as subsequentes ao procedimento de credenciamento, o uso de aplicativos como instrumentos de coleta de dados para formatação de políticas públicas e de controle da Administração Pública, bem como o uso de inteligência artificial para automatização na execução de competências administrativas como, p. ex., no setor tributário ou obtenção de licenças urbanísticas vinculadas, ao que se acresce exame da chamada internet das coisas, algoritmos que permitam a avaliação das condições dos bens públicos e a automação na própria gestão interna de pessoal; por fim, cabível discutir como transformar Big Data em dados úteis para o adequado planejamento e cumprimento das competências do Estado)
– Direitos fundamentais de cidadãos numa ordem jurídica global e digital
(possível discutir: a) a viabilidade de se estruturar “EstadoS em Rede” no exercício de competências globais como combate à corrupção, repressão à violência contra a mulher inclusive o tráfico internacional, prevenção de epidemias e endemias – desafios enfrentados simultaneamente por diversos países e que requerem uso de infraestrutura tecnológica moderna; b) o exercício de direitos fundamentais como o de participação, mediante o uso de redes sociais utilizadas pela Administração Pública como canais de comunicação globalizadores dos vínculos; c) como a tecnologia da informação pode viabilizar que cidadãos exerçam direitos fundamentais como, p. ex., direito à informação perante o Estado brasileiro, a partir de qualquer localização territorial, diminuindo a perda de direitos em razão de prescrição e decadência; d) o difícil equilíbrio entre as inovações disruptivas que se impõem na modernização administrativa e a necessidade de legalidade administrativa/segurança jurídica no Estado: em questão a procedimentalização na incorporação das inovações que concretizam direitos fundamentais na esteira da experiência de outros países)
– A tecnologia e as ações afirmativas no século XXI
(possível discutir benefícios como o já previsto no artigo 26, § 5º do Projeto da Nova Lei de Licitações em favor das startups – restrição a elas de procedimento aberto de manifestação de interesse no caso de novos produtos e serviços baseados em soluções tecnológicas inovadoras; também cabível fixar as bases à estruturação de outras medidas que busquem efetivar a inclusão digital e de outras ordens, mediante recursos tecnológicos)
– Da estabilidade aos servidores efetivos na Constituição de 1988 à perspectiva do regime de emprego para o quadro de pessoal do Estado.
(possível questionar sobre temas clássicos como “direito adquirido”, repercussões concretas de difícil equacionamento como as “repercussões previdenciárias” no caso de mutação de regime, além de indagações como as vantagens e desvantagens do regime estatutário e da estabilidade, o que permite desde uma abordagem mais abstrata até uma análise empírica)
– Da vinculação orçamentária mínima nos setores de educação e saúde à discricionariedade constitucional ampla no planejamento e execução orçamentária: a repercussão nos limites do controle judicial
(possível analisar a evolução histórica a partir da CR 88 quanto à liberdade relativa às alocações orçamentárias, discutir a pertinência das ideias de discricionariedade e vinculação na concepção das políticas públicas, enfrentando a viabilidade de controle judicial em uma e outra realidade constitucional/legal)
– Os problemas na concretização de regras constitucionais expressas
(possível questionar a dificuldade em restringir o exercício de cargos comissionados às atribuições de chefia, assessoramento e direção na realidade administrativa; a demora na edição da Lei 13.303 e a dificuldade de cumprir determinações basilares do novo diploma da estatais como a existência obrigatória de Código de Integridade; a não compreensão da competência federal para editar normas gerais de licitações e contratos administrativos conforme previsão no artigo 22, XXVII, o que enseja até mesmo discussão sobre a inconstitucionalidade de decretos como o do pregão eletrônico e sobre a timidez dos Estados e Municípios no exercício das suas atribuições legislativas)
– Os riscos da consensualização na realidade pública
(possível enfrentar os perigos dos acordos conforme a seara, p. ex.: a) TCA previsto em norma administrativa federal para ressarcimento de prejuízos de pequena monta causado por servidor público acarretando caducidade da competência disciplinar; b) multiplicidade de esferas de negociação em caso de corrupção, com inefetividade do acordo firmado numa seara em face da sobrevivência da competência punitiva em outra instância; c) a não atuação de órgãos de controle externo da Administração Pública como o Judiciário e o MP em razão do consenso firmado na própria esfera administrativa)
– As garantias constitucionais como instrumento de efetividade do Direito Administrativo
(cabível a) discutir a importância da transparência e da motivação como condições de efetividade das regras de moralidade, impessoalidade e isonomia administrativas – possível falar de aspectos controversos como a classificação de documento como secreto ou ultrassecreto por um número significativo de autoridades; b) a essencialidade do respeito pela Administração Pública ao direito de defesa e contraditório antes de qualquer juízo punitivo de terceiro, com destaque para o ônus da prova estatal em se tratando de poder disciplinar e poder de polícia; c) o direito à privacidade, à liberdade e à não abusividade no exercício das competências públicas como limites ao controle exercido pelo Estado – cabível tratar da Lei 13.800/2019)
– A crise orçamentária dos Estados e a concretização das políticas públicas constitucionais
(possível discutir exigências como proibição de retrocesso social, dever de progressividade, obrigação de planejamento com observância de precaução/prevenção, analisar a “reserva do possível” numa perspectiva atualizada e não binária)
– A LINDB como diploma de “filtragem constitucional”
(possível discutir a repercussão de se exigir dolo ou erro grosseiro nas diversas instâncias punitivas do Estado – improbidade administrativa, penal, disciplinar, punições pelos Tribunais de Contas e responsabilidade civil – considerando-se regras como o artigo 37, § 6º da CR; a exigência de legalidade no artigo 37 da CR à luz da perspectiva consequencialista de dispositivos como o artigo 28 da LINDB; a previsão de compromissos de ajustamento de conduta que busquem encerrar insegurança jurídica e atribuição de natureza vinculante às respostas de consultas feitas por órgãos públicos e entidades administrativas numa perspectiva de juridicidade)
– A bipolaridade do Direito Administrativo Global
É possível discutir algumas incongruências:
a) redução do número de órgãos e entidades públicas com aumento de espaço para atuação do Terceiro Setor e mercado X manutenção das atividades públicas essenciais como competência das pessoas federativase administrativas sujeitas ao regime de direito público, admitida participação privada de natureza complementar e não substitutiva;
b) reconhecimento da importância dos princípios na realidade contemporânea em que é inviável a edição pelo Parlamento de leis específicas capazes de normatizar as complexas relações jurídicas e múltiplas demandas X crítica do “panprincipiologismo” ou “histeria dos princípios” que implicam arbítrio na definição da norma adequada em cada caso concreto, tendo em vista a sua baixa densidade normativa;
c) necessidade de recorrer a controle externo das atividades administrativas para restaurar a juridicidade e afastar os múltiplos desvios na aplicação do ordenamento X excessos no controle exercido pelo Judiciário e Tribunal de Contas, a ensejar o “controle do medo” ou “controle paralisante” da atividade do Executivo, tendo por resultado a inércia ou uma burocracia inócua, descomprometida com resultados;
d) necessidade de combater, com medidas drásticas, a corrupção, vício inerente ao poder que compromete o potencial de eficácia necessária às funções do Estado, o que torna necessárias investigações apuradas, uso de novas técnicas fiscalizatórias e imposição de sanções exemplares, para fins de resgate da ética social e pública X o combate formal à corrupção historicamente corresponde a um discurso que serve à imposição de regimes ditatoriais, excludentes de garantias mínimas como ampla defesa e contraditório, tendo como resultado o comprometimento de direitos fundamentais, em especial a transparência e outros recursos característicos da democracia.
Será um prazer divulgar o trabalho de vocês quando terminado e publicado!
Feliz em ver que o meu tema “esbarra” nA Bipolaridade do DA Global, no item “a”.
Uma discussão interessante, normalmente contaminada por linhas ideológicas radicais e que desafia especial equilíbrio até mesmo em se considerando a monta da repercussão na realidade administrativa.