- Uma tendência recente na estruturação das contratações necessárias à gestão de ambientes públicos é o contrato de facilities. Em especial nos edifícios que devem funcionar ininterruptamente e, para tanto, exigem tarefas de natureza diversa que preservem a vida útil e o melhor uso possível dos recintos, vem se buscando uma forma modernizada de empregar diferentes atividades técnicas por profissionais com capacitação multidisciplinar, aprimorando-se os esforços conjuntos em prol da organização pública.
- Analisando o histórico administrativo das contratações que, no Brasil, em regra são utilizadas para manutenção de prédios públicos, não é raro que sejam celebrados contratos diversos, para a prestação de serviços específicos que variam desde a limpeza cotidiana até mesmo a modernização dos edifícios, passando por sua manutenção, de modo que se tenha um funcionamento ininterrupto e uso adequado dos ambientes. O desafio do gerenciamento dos diferentes vínculos delineou uma realidade administrativa que paulatinamente vem ensejando absorção, também no Estado, do modelo de facilities, a englobar em uma única contratação serviços diferentes que convergem para a obtenção das melhores condições dos imóveis, com ampla satisfação dos usuários, aí incluídos cidadãos e o quadro de pessoal do Poder Público.
- A propósito do “modelo de facilidades”, escreveram Ivana Maria Rozo Guimarães e Renato Erdmann Gonçalves:
O Centro Europeu de Normatização (CEN) define “facilidade” como qualquer ativo tangível que suporta uma organização, usualmente um edifício ou outro tipo de instalação que suporte algum tipo de atividade promovido por uma organização. Para o CEN, o Gerenciamento de Facilidades é a “integração de processos dentro de uma organização para manter e desenvolver os serviços acordados que suportam e aprimoram a eficácia de suas atividades primárias” (CEN, 2006).
De acordo com a definição da International Facility Management Association (IFMA), o Gerenciamento de Facilidades é “uma profissão que abrange múltiplas disciplinas com o objetivo de dotar o ambiente construído de funcionalidades através da integração de pessoas, propriedades, processos e tecnologias”.
“O Gerenciamento de Facilidades é uma atividade profissional que tem por finalidade o planejamento e a operação de processos eficientes, integrando edificações, equipamentos e serviços (meios) visando dar suporte às pessoas, alinhada às estratégias, para a efetiva consecução dos propósitos (fins) das organizações. A atividade de Gerenciamento de Facilidades deve gerar experiências significativas para usuários e clientes produzindo transformações positivas na atividade fim”.(GRAÇA, 2012)
(…)
O modelo de facilidades pode ser considerado a evolução do processo de terceirização, pois a terceirização deu-se no momento que os governos buscavam alternativas para melhorias na administração com expectativa de maior eficiência nos processos internos e otimização de recursos com redução de custos.
Historicamente no Brasil esse processo, embora não seja recente, teve sua aplicação intensificada e disseminada por volta dos anos 90, momento em que ocorreu uma reestruturação administrativa e operacional na esfera da administração pública, fato que provocou análises e debates entre governos, trabalhadores e empresários. (DIEESE, 2007).[1]
- Na mesma linha de raciocínio, confiram-se as seguintes lições sobre a gestão de facilities na manutenção de uma instituição pública:
A administração pública tem como um dos desafios modificar estruturas burocratizadas, sendo o principal deles transformá-las em empreendedoras e flexíveis, disponibilizando serviços públicos eficientes e de qualidade. (GUIMARÃES, 2000). Para tanto, faz-se necessário o rompimento com os modelos tradicionais de administração dos recursos públicos para a introdução de uma nova cultura de gestão, a exemplo da gestão de facilities.
Esse novo modo de gestão pode ser analisado a partir da gestão de ambientes construídos com base na Facility Management (gestão de facilidades), que segundo Enaud (2014), configura-se em um combinado de ações que possibilita a manutenção da organização em funcionamento ininterrupto. Ao invés de um contrato para cada tipo de serviço, celebra-se apenas um de gestão de facilidades, englobando todos os serviços ou aqueles que mais se relacionam; gerenciando-os de modo eficiente para benefício institucional e das pessoas no recinto construído (ANTONIOLI, 2003)
Com base no exposto nesta seção, percebe-se que a gestão de facilidades é uma atividade de suma importância para o gerenciamento do ambiente construído e que no contexto das intuições públicas (…), as atividades de suporte as atividades fins da instituição são realizadas por meio de contrato de terceirização. (…)[2]
- No Brasil, tem-se como marco legislativo a Lei Federal nº 14.011/2020 que, no artigo 7º, previu um contrato de gestão para ocupação dos imóveis públicos federais, admitindo em um único contrato os serviços de gerenciamento e manutenção do imóvel, nele incluindo serviços, equipamentos e materiais. Embora seja clara a importância de se positivar a contratação de facilities na manutenção, uso e gerenciamento de imóvel, abrangendo até mesmo obras que se mostrem necessárias, é certo que esse modelo não se restringe às situações positivadas no referida diploma federal. Como bem elucida Rafael Sérgio Oliveira, o contrato de facilities full e de facility management já é bastante difundido na iniciativa privada e vinha ganhando espaço no setor público, tendo o TCU no Acórdão 1214, ainda em 2013, expressamente admitido “a reunião de diversos serviços necessários para o funcionamento dos órgãos e entidades públicas em um único contrato”. Depois de invocar, que já existem na esfera pública algumas experiências desse tipo de contratação em razão das vantagens do instituto, como é o caso da Caixa Econômica Federal – CEF, Rafael Sérgio mencionou expressamente o Acórdão nº 929/2017 do Plenário do TCU, segundo o qual “A contratação de serviços de conservação e manutenção de infraestrutura predial, com a inclusão de serviços variados, na modelagem conhecida como contratação de facilities, não configura, por si só, afronta à lei de licitações”[3].
- De fato, já na origem da estruturação da contratação de facilities na Administração Pública, utilizou-se ainda como base a Lei nº 8.666, porquanto as empresas públicas como a CEF submetiam-se aos seus ditames, eis que ainda não promulgada à época, a Lei Federal nº 13.303/16. O entendimento dos órgãos de controle, permitindo a modelagem de facilities em face das regras da Lei Federal nº 8.666/83, estende-se à recente Lei Federal nº 14.133/21, com a devida vênia de entendimentos críticos e em sentido contrário.
- Neste tipo de contratos, a estrutura requer um complexo planejamento de esforços que, aprimorados, integrem processos, tecnologia e pessoas múltiplas, de modo a alcançar uma melhor organização, com ganhos de custo até maior eficiência dos chamados hard services que podem envolver desde reparações (manutenções), serviços elétricos, hidráulicos e retrofit.
- Em alguns expedientes opta-se pelo emprego de expressões como “manutenção integrada”, sem o uso específico da expressão facilities. Resulta claro, a uma simples análise dos estudos teóricos e empíricos, que a integração de serviços, aquisição de bens e obras a serem realizadas para fins da modernização pretendida enquadra-se no conceito doutrinário de facilities, sendo essa a experiência levada a efeito em órgãos como o TJSP, a CEF, a SABESP e o SEBRAE.
- O não exercício de tais competências por meio de quadro de pessoal da Administração Pública, mas sim mediante terceirização que, além de delegar as atividades a terceiro, estrutura para que ocorra gestão unificada de facilidades, tem por objetivo permitir a integração de novos sistemas, tecnologias, atividades e materiais, convergindo-os em favor do pleno e eficiente funcionamento dos prédios públicos mencionados. Para que se possa alcançar os resultados de eficiência necessários, sem abrir mão da legalidade administrativa, nem mesmo da segurança jurídica, vale atentar para a importância do diagnóstico prévio do ambiente externo, por meio das seguintes etapas, consoante doutrina sobre a matéria:
. Avaliação dos processos de licitações dos referidos serviços, com a identificação de que os processos individualmente requerem um forte empenho dos profissionais especialistas em licitação, tempo considerável para elaboração e custos internos elevados para realização da licitação e contratação.
. Avaliação/revisão das especificações vigentes;
, Análise do desempenho das empresas contratadas – contratos vigentes;;
. Releitura das atividades integrantes de todos os serviços;
. Readequação dos conceitos referentes às especificidades de cada frente de serviço;
. Elaboração do Termo de Referência e respectivas especificações de serviços devidamente revistas e compatibilizadas com às necessidades básicas (…)
. Formação de preços
. Avaliação e definição processo para consolidação da contratação
. Modalidade “Pregão”;[4]
- Outrossim, também se destaca com base nos estudos realizados sobre as contratações de facilities já ultimadas:
Observamos que as prestadoras de serviços de facilities quando contratam com empresas públicas trazem ainda vícios e conformismo de contratações anteriores, com base na modelagem anterior, que não cabem no novo modelo e são cientes desses entraves. Há de ser de conhecimento de todos os administradores e gestores que uma prestadora de serviços tendo dois contratos sendo um com empresa pública e outro com empresa privada acaba por dar condições e tratamento diferenciado entre elas. O melhor tratamento (pós contratação) fica com as empresas privadas.
(…)
A maioria dos fornecedores de facilidades que oferece esses serviços para as empresas públicas continua se portando como se estivesse na modelagem anterior, e esses fornecedores não captaram a essência da contratação dos serviços de facilidades para empresas públicas[5]
- Tais cautelas, a serem incorporadas principalmente no documento inicial da fase de planejamento de uma contratação que reúne atividades de diversas naturezas, indicam requisitos específicos a serem enfrentados pelo ETP, documento basilar da fase de planejamento da licitação.
- Especificamente quando se trata da adoção de modelo contratual que rompe com padronização dos vínculos anteriores, os estudos realizados na fase de planejamento requerem maior profundidade e especificidade, até mesmo em face da diversidade dos pressupostos da contratação que se pesquisa como solução mais adequada para a necessidade pública em questão. É clara a mudança de cultura quando se concebe como melhor alternativa que, no lugar de diversos vínculos com empresas múltiplas, estabeleça-se um contrato único com objeto ampliado, sem quebra das exigências de competitividade e isonomia, com alcance de maior eficiência na execução das atividades. É no documento técnico preliminar da etapa de planejamento que deve ser realizado um exame cuidadoso das condições concretas da demanda administrativa e das opções existentes e disponíveis no mercado para tal formato, apresentando-se documentação que sirva de lastro objetivo das razões concretas aptas a sustentar a contratação de facilities, com atenção ao regime jurídico público inclusive principiológico, bem como consequências da nova modelagem pretendida.
- Antes mesmo da NLCC, o Tribunal de Contas da União já indicava a relevância do ETP, a fim de garantir que a solução escolhida pela Administração consistisse naquela que melhor atende à demanda apresentada (Acórdão 1681/2018). Em situações complexas como a presente, é clara a pertinência de serem realizados análises preliminares de natureza técnica, com ampla participação dos diversos órgãos com competência de planejamento.
- O aspecto essencial desse instrumento refere-se exatamente ao fato de as áreas envolvidas com a contratação elaborarem estudos técnicos, descreverem as soluções possíveis, de modo a identificar a melhor alternativa para atender sua necessidade, inclusive considerando aspectos sensíveis como reunir tarefas diferentes numa só licitação e, em determinadas situações, ensejar subcontratação parcial de uma das atividades (característica comum em diversos contratos de facilities), além da adoção do consórcio, como meio de manter a competitividade. A própria escolha de quais elementos serão reunidos (se incluindo obras ou apenas serviços, quais serviços, se serviços e fornecimento de peças, se com todas as peças necessárias incluídas ou com algumas faturadas em separado, se se acresce adoção de novas tecnologias com modernização além da “simples reforma”, além de diversas outras alternativas cumuláveis) exige reflexão, levantamento de dados da realidade pública, juízos técnicos de gestão e compreensão dos parâmetros jurídicos que limitam o modo de ação estatal.
- Cabe indicar no ETP uma estimativa de volume contratual fundada em elementos fáticos comprovados (com base em vínculos anteriores e adequada pesquisa relativamente às novas atividades/bens a serem contratados), sem esquecer da análise dos riscos existentes e indicação das medidas aptas a contorná-los. Não se pode partir de uma solução convencionada abstrata e preliminarmente (como, p.ex., o entendimento genérico “é bom adotar o modelo de facilities”) e, com isso, deixar de celebrar vários contratos após os respectivos certames licitatórios. Qualquer convicção deve estar assentada em análises específicas e em raciocínio técnico que demonstrem de que o mercado é capaz de satisfazer a demanda da contratação unificada, sem prejuízos orçamentários, nem de qualidade, mas, ao contrário, obtendo melhores resultados para o Estado, mantida a juridicidade. Abrir mão de contratações pulverizadas exige muito mais do que uma convicção aleatória de que há maior custo processual de firmar contratações isoladas; é indispensável estudo dos recursos necessários naquele caso, das soluções existentes no mercado, da estimativa concreta dos valores necessários, para só então ter-se fundamento para decisão administrativa que atenda o interesse público primário.
- O documento técnico preliminar que, bem elaborado (com indicação dos aspectos específicos da realidade contratual unificada pretendida), evidencia que a Administração conheceu bem a sua demanda naquele caso (de manutenção integrada e complexa) e buscou a melhor solução disponível no mercado com seus contornos basilares, é caminho para a necessária eficiência, evitando uma contratação de solução que traga prejuízos ou não atenda, do melhor modo possível, a necessidade pública específica a ser contratada. Eventual complexidade para a confecção do ETP não dispensa o levantamento de todos os aspectos relevantes para a contratação, pois pode transparecer falta de planejamento adequado pela Administração Pública, o que não se admite.
- É necessário vislumbrar no ETP a especificação, individualizada ao ponto de se identificar precisamente o que será licitado e quais os serviços, bens e obras necessárias à consecução do objeto por uma única empresa contratada. Aquiescer ao juízo de vantajosidade da Administração Pública não exclui a necessidade de uma análise procedimento ser capaz de evidenciar, de modo preciso e suficiente, todos os elementos do objeto a ser contratado, com os respectivos valores estimados.
- Também se indica a pertinência de fazer um comparativo entre as estimativas de valores das diferentes alternativas (contratações isoladas, realizadas de modo pulverizado, conforme histórico da Administração licitante e o que se estima/planeja para o modelo de “contratação de facilities”), com preços referenciais, memórias de cálculo e documentos que sirvam de suporte ao cenário que se observa. Afinal, a estimativa do valor da contratação no ETP é feita comparando alternativas diferentes (ex: qual o custo da contratação individualizada quanto aos diversos objetos como, p. ex., a manutenção preventiva, corretiva, preditiva, retrofit e outros aspectos da preservação dos prédios X qual o custo da contratação por facilities).
- Insiste-se: o adequado planejamento da contratação não implica somente indicar conclusões como resultados decisórios desvinculados das análises preliminares realizadas. Cabe o estudo das alternativas e sua análise individualizada, cogitando-se dos integração de serviços, aquisição de bens e obras a serem realizadas para fins da modernizaçãofeitas na etapa inicial do planejamento, justificativas do quantitativo da contratação, justificativas para subcontratação ou não, após aferição de memórias de cálculos e mapeamento de riscos conforme requisitos legais, dentre outros elementos a serem considerados, em conjunto, numa interpretação sistêmica da demanda administrativa à luz do ordenamento vigente.
- Somente uma vez atendidos tais pressupostos, ter-se-á a incorporação das vantagens potenciais do contrato de facilities, com exclusão dos riscos inerentes à referida modelagem contratual.
[1] GUIMARÃES, Ivana Maria Rozo; GONÇALVES, Renato Erdmann. Introdução do modelo de facilidades na Admnistração Pública: Estratégia para redução de custos e otimização de recursos. Disponível em http://consad.org.br/wp-content/uploads/2016/06/Painel-43-03.pdf. Acesso em 27.11.2023.
[2] BARBOSA, Ana Maria da Silva et al. A gestão de facilities na manutenção de uma instituição pública. Disponível em https://periodicos.utfpr.edu.br/revistagi/article/view/8968/7901. Acesso em 30.11.2023.
[3] OLIVEIRA, Rafael Sérgio de. Mais Algumas Notas sobre a Contratação de Facilities nos Termos da Lei nº 14.011/2020. Disponível em http://www.licitacaoecontrato.com.br/assets/artigos/artigo_download_73.pdf. Acesso em 28.11.2023.
[4] GUIMARÃES, Ivana Maria Rozo; GONÇALVES, Renato Erdmann. Introdução do modelo de facilidades na Admnistração Pública: Estratégia para redução de custos e otimização de recursos. Disponível em http://consad.org.br/wp-content/uploads/2016/06/Painel-43-03.pdf. Acesso em 27.11.2023.
[5] GUIMARÃES, Ivana Maria Rozo; GONÇALVES, Renato Erdmann. Introdução do modelo de facilidades na Admnistração Pública: Estratégia para redução de custos e otimização de recursos. Disponível em http://consad.org.br/wp-content/uploads/2016/06/Painel-43-03.pdf. Acesso em 27.11.2023.