Para pais e mães
que encaram essa difícil tarefa:
Educar.
– Tia Quel, como é que acaba a corrupção?
– Bem, acabar-acabaaaaaar mesmo não tem jeito não, amor.
– Hum. Mas… E diminuir? Tem jeito?
– Tem um tanto de forma de combater, sabe?
– … Acho que só sei mais ou menos.
– Mais para menos, né?
– É.
– Vou tentar explicar.
– Tá.
Corrupção não é assim uma “coisa errada qualquer” que a pessoa faz. Não é uma bobaginha como “ficar sem tomar banho na sexta-feira e molhar a toalha no chuveiro para escapar…” Não. É algo muito, muito, muito pior. É errado grave-gravíssimo. É como “xingar a própria mãe com palavrão”. Uma coisa dessa não é ruim só ali, naquela hora que a pessoa xinga. É algo que deixa um tanto de gente triste um tempão. Será uma marca horrorosa para todo mundo: para quem xingou, para quem ouviu, para quem ficou sabendo… Uma marca que demonstra que a pessoa não entendeu a importância da família, nem do respeito. E sem respeito nada funciona. A família toda se atrapalha. O “sistema rui”, se destrói, acaba, sabe?
Funciona assim também nas coisas do Estado. Quem faz parte dele e quem se relaciona com ele não pode agir tão errado com um lance tão importante como a honestidade. Ninguém pode pagar ou receber um dinheiro que não é devido, ou negociar uma vantagem errada, para conseguir algo. Não importa o que seja. A pessoa que paga ou aceita “propina” (esse dinheiro ou vantagem errados), que desvia dinheiro que é do povo, sabendo o que está fazendo, e ainda finge que está tudo certo (!), tem que ser punida. Virou bandido dissimulado. É tipo xingar a própria mãe. Um crime bem grave. Não dá para sair “de boas”…
– Hum…
A conversa não andou. Não sei se pela menção ao banho ou ao palavrão para a mãe. Mas encerramos por ali. Fiquei pensando como explicar, em um futuro breve, como se tenta punir corruptos. Aí vamos nós:
Na vida, quando alguém faz errado, um tanto de gente pode castigar. Lembra o dia que você estava com muita raiva no shopping e bateu na sua mãe para ela comprar o presente do dia das crianças? Pois é. Sua mãe nem falou nada de tão assustada que ficou. Mas eu gritei com você na hora, bem brava. E peguei no colo firme para você parar de espernear. E quando seu pai chegou, levou você direto para casa da sua avó. E sua avó te deu um belo castigo. Teve grito de madrinha, bronca e passeio findo pelo pai e meia hora de “canto do castigo” na casa da vó. O pior? Mãe triste a semana inteira. Foi um tanto de castigo por causa de uma coisa só. Uma coisa bem grave. Que justificou vários castigos, de várias pessoas diferentes.
É assim também no Estado. Quando um “funcionário” do Estado faz algo muito errado como um ato corrupto, sozinho ou combinado com um tanto de gente, ele pode ser punido por vários lados. Primeiro, ele pode ser mandado embora. Vai demorar um pouco, mas o “patrão” vai começar um processo que chama “processo disciplinar”, e aí nem precisa de juiz, é só entre o patrão e o empregado mesmo. Nesse tal processo (tipo os que fica em cima da mesa do seu pai), o empregado (o nome certo é “servidor”) tem direito de se defender, de dizer que não foi ele e de tentar provar que não é culpado. Se depois dele tentar provar a inocência, ficar provado que ele fez mesmo aquilo, e a coisa é séria (porque é corrupção), o castigo será o pior possível: ele será mandado embora (o nome é “demissão”).
Só que corrupção não é só descumprir as regras do trabalho, sabe? Então não é uma coisa que pode terminar só com a tal demissão, ou seja, com a pessoa sendo mandado para a rua. É pior: é algo sério que também ofende “a sociedade toda”, ou seja, todos nós. Já percebeu como cada vez mais gente está preocupada com esse negócio hoje em dia? Pois é. Tem um tanto de lei, inclusive antiga, falando que é CRIME um bocado desses atos corruptos. E aí a coisa pega… Porque, em regra, quando fala que é crime, admite prender a pessoa. Dá para sacar que aqui a coisa é bem mais séria, né? A gente não pode sair por aí impedindo a pessoa de ir e vir, colocando dentro de uma cela lotada, sem um processo que aconteça na frente de um juiz. Tem uma pessoa, que chama Promotor, que se topar com prova de que aconteceu corrupção e foi aquele sujeito, vai fazer a acusação e a partir daí surge um processo CRIMINAL. Este processo vai andar perante um juiz. Nesse processo, tem também o lance importantíssimo do acusado poder se defender, bem direitinho. Se no “final do final” ficar provada a corrupção do acusado, o juiz criminal fixa uma pena e o criminoso pode ir preso para a cadeia. E ainda tem um detalhe: se mandarem prender o cara mais de 4 anos, ele perderá o trabalho no Estado, basta o juiz lembrar de colocar isso na decisão dele (às vezes esquecem…). E essa perda do trabalho acontece independente do que o patrão tiver decidido lá no tal processo disciplinar que falei antes! Aqui vai ser consequência da punição (do castigo) porque é crime. Logo, o cara, além de preso, estará desempregado.
Mas não é só. Ainda tem mais. Há um tempo atrás, o pessoal entendeu que corrupção não era só uma coisa errada contra a lei. Era algo imoral, ou seja, uma safadeza sem tamanho. Veio uma outra lei, chamada de “Improbidade Administrativa”, que estabeleceu assim: ficando provada a sem-vergonhice grave (ou seja, a imoralidade da coisa errada contra a lei), caberiam umas punições bem bravas. Desde multa, não poder votar e ser votado (o corrupto perde um negócio chamado “direitos políticos”), não poder ser contratado pelo Estado, nem receber dinheiro chamado “incentivo fiscal ou creditício”, além de ter – ele corrupto – de dar dinheiro ao Estado para compensar o prejuízo que causou, sem falar, também aqui, mais uma vez, a “perda do emprego”. Com essa lei e essas penas aí tem um tanto de complicação. Por hora, basta você saber que o Promotor ou alguém como Tia Quel (que representa o Estado como advogada pública) pode ajuizar a ação para esses castigos todos acontecerem. Quem vai decidir e punir o corrupto é o juiz porque também esse processo é judicial.
Aaaahhhhh, tem mais uma coisa ainda. Os lugares tipo os que eu trabalho (chama “advocacia pública”) podem entrar com uma ação só para conseguir de volta o dinheiro do prejuízo causado ao Estado com a corrupção. O nome é bonito: “ação de ressarcimento” e um outro juiz é que vai conduzir esse processo também. Tem o mesmo lance da defesa, de ter que permitir a prova da outra parte, tudo bem certinho. Já basta a merda (ops.) que o corrupto fez. Nós não podemos errar parecido com ele. Se não, aí é que dana tudo. Sem contar que ele é que estaria definindo quem a gente é: pessoas erradas. E acho melhor alguém acertar nesse furdunço todo.
E que você não ache que um desses caminhos impede os outros. É tipo o que aconteceu com você mesmo: eu, seu pai, sua avó, sua mãe… Ninguém precisa esperar o outro para tomar a providência que pode tomar. É verdade que, se o juiz penal disser que não aconteceu nada, ou que o acusado não é o responsável pela corrupção, isso “esbarra” as outras ações. Tipo se sua mãe tivesse dito que você não fez nada. Ninguém ia poder brigar com você. Fora esse caso, pode ser tudo-ao-mesmo-tempo-agora.
Por fim, não esquece que essa tal corrupção pode ser feita por pessoas que nem trabalham para o Estado. Aí o jeito de pegar o corrupto é outro. E o papo também. Se tiver interesse, diz aí que a gente segue a prosa.