1. Introdução
O poder disciplinar assumiu importância clara na própria gestão do quadro de pessoal da Administração Pública à medida que se absorveu a sua finalidade pedagógica e, ainda, restauradora de juridicidade. Sancionar o integrante do quadro de pessoal do Estado que descumpriu os deveres que lhe são exigíveis é fomentar a correção dos comportamentos públicos, resgatando a legalidade administrativa. Além da necessária observância das garantias constitucionais mínimas (devido processo legal, ampla defesa, contraditório e dever de motivação), tem-se que tais objetivos devem ser ponderados com a observância do prazo adequado que o poder disciplinar se exerça, uma vez que o transcurso temporal não é algo inócuo na realidade estatal, numa perspectiva de necessária segurança jurídica.
2. Segurança jurídica e a competência punitiva do servidor
De fato, segurança é uma necessidade cada vez mais acentuada, mormente diante de tantas e céleres mudanças como as enfrentadas pela sociedade do século XXI. Conforme ensina Juarez Freitas, “Por mais incertas que sejam as circunstâncias da vida, esta somente se torna racionalmente experimentável se houver um horizonte de previsibilidade estatal, em que a entropia ceda lugar à organização, ao método, à fundamentação (…) É que, sem estabilidade, a justiça não se afirma, carecendo do alicerce da ação estatal, que há de ser inspiradora dos laços de coesão, permanência e de respeitabilidade mútua.”[1]
A demanda por estabilidade impõe, de modo crescente, também sobre os órgãos que exercer poder punitivo o dever de ação tempestiva. Segundo Rafael Valim, “a plenitude do princípio da segurança jurídica no direito administrativo se alcança através de mecanismos que assegurem a certeza na atribuição e no exercício das competências administrativas e a estabilidade das situações e relações jurídico-administrativas.”[2] Com efeito, é posição doutrinária assente que “A segurança jurídica está relacionada a questões de ordem objetiva, como garantia de estabilidade e firmeza de orientações”, pelo que se trata de um principal geral que “deve estar presente em todos os atos do Poder Público, sejam de natureza jurisdicional, legislativa ou administrativa.”[3]
A adoção de medidas tempestivas e adequadas à punição de servidores infratores é imperativo próprio do Estado Democrático de Direito. Afinal, a passagem do tempo não é elemento que o ordenamento jurídico despreza, sendo o excesso na duração de um procedimento administrativo cujo objetivo é sancionar um agente público fato capaz de gerar ou de extinguir direitos ou obrigações punitivas. Como ensina Paulo Otero, o tempo desempenha em Direto Administrativo “um papel de facto gerador do ‘esquecimento’ de situações jurídicas contrárias ou conformes à legalidade jurídico-positiva, modificando e invertendo o seu sentido ou os seus efeitos”, ao que acresce:
“Verifica-se que o decurso do tempo (i) permite a consolidação jurídica de situações de facto criadas à margem do Direito e cuja duração se arrasta no tempo ou, em termos semelhantes, (ii) pode determinar a extinção de posições jurídicas tituladas e válidas pelo seu simples não exercício durante certo tempo. Em ambas as hipóteses, a ordem jurídica como que ‘esquece’, respectivamente, a invalidade subjacente à situação de facto ou a validade da situação jurídica agora extinta, passando a reconhecer efeitos válidos à primeira hipótese e a negá-los à segunda.”[4]
Nessa perspectiva, admite-se a extinção ou destruição daquilo que a ordem jurídica fixa conforme a legalidade, edificando o que muitas vezes seria desconforme com a juridicidade, como resultado do decurso do tempo:
“Em qualquer das situações, envolvendo o decurso do tempo a aquisição ou a extinção de posições jurídicas – ou, como é mais natural, ambas as hipóteses, simultaneamente, em relação aos sujeitos envolvidos -, encontra-se subjacente uma especial protecção conferida pela ordem jurídica à necessidade social e aos valores da certeza, da segurança, da confiança e da própria justiça nas situações jurídicas, tutelando-se a aparência de uma situação de facto que, apesar de poder ser contrária ao Direito – e sendo-o, muitas vezes -, se entende justificar ‘apagar’ ou fazer ‘esquecer’ a legalidade normalmente aplicável ou aquela que decorreria da ausência de ponderação do factor tempo.”[5]
Destarte, mesmo punições de servidores infratores tornam-se juridicamente impossíveis após o transcurso de determinado período fixado no ordenamento, tendo em vista que a legalidade restrita não é o único parâmetro da atividade disciplinar, sendo necessário reconhecer incidência de princípios como o da segurança jurídica na espécie. Não se desconheça que “o tempo é fator fundamental nas relações jurídicas. Tem o poder de apaziguar, superar contendas e arrostar nulidades”, sendo certo que “a segurança jurídica sobrepõe-se a qualquer outro interesse. Sobre ser fator de segurança é também fator de pacificação.”[6]
A questão temporal se coloca, pois, como decorrência da própria segurança jurídica, fazendo-se necessário perquirir se um órgão punitivo pode a qualquer tempo, sancionar infrações disciplinares de servidores públicos. Para tanto, é mister compreender os institutos da prescrição e da decadência em situações como a ora em exame. Sublinhe-se que boa parte das controvérsias jurídicas decorre de equivocadas compreensões conceituais sobre os institutos, além do tímido tratamento legislativo dado à matéria. Como aduz Sebastião José Lessa, para os operadores do direito administrativo disciplinar, o parcimonioso corpo legislativo propicia um clima de incerteza que, na prática, fragiliza o devido processo legal e a efetiva operosidade dos meios e recursos garantidores dos direitos fundamentais, mormente contraditório, ampla defesa e inadmissibilidade do uso no processo de provas obtidas ilicitamente.[7]
3. Da distinção entre prescrição e decadência. Da natureza decadencial do prazo previsto em lei para o exercício do poder disciplinar.
Em mais de uma oportunidade já se fixou, em artigos publicados, que há certa confusão até mesmo na terminologia conceitual utilizada para distinguir prescrição e decadência. A doutrina brasileira, com compreensão fixada a partir do Código Civil de 1916, sem sequer atualizar ao parâmetro do Código Civil de 2002, terminou imersa na confusão conceitual a propósito de ambos os institutos. Poucos foram os autores que examinaram as diversas correntes do direito comparado que definiam prescrição ora como extinção da pretensão não exercida no prazo legal (direito alemão), ora como extinção do direito por falta de exercício pelo titular durante o tempo determinado pela lei (direito italiano), e em menor número tem-se aqueles que, após 2002, reconheceram que o Código Civil brasileiro incorporou como marco teórico os parâmetros do direito alemão. Especificamente no âmbito do direito administrativo, raros dispositivos fixavam prazos para o Poder Público exercer as atribuições lhe impostas pela ordem jurídica, sendo o Decreto nº 20.910/32 um dos poucos diplomas a estabelecer período temporal para terceiros invocarem prejuízos e lesões em face da Administração Pública.
Não há dúvida de que foi o Código Civil de 2002 o texto normativo que optou por conceituar a prescrição como perda da pretensão (art. 189 do CC/02), como asseveram Gustavo Tepedino, Heloisa Helena Barboza e Maria Celina Bodin de Moraes: “O art. 189 incorpora ao direito pátrio a teoria de que a prescrição extingue a pretensão, conforme disposto no § 194 do BGB, preservando-se assim o direito, que poderá ser satisfeito mediante prestação espontânea pela parte beneficiada com a prescrição. (…) Sendo assim, a redação do art. 189 explicita que, para a ocorrência da prescrição, deverá existir um direito e que, em sendo ele violado, surgirá uma pretensão para o seu titular, a qual, não sendo exercida dentro de um prazo determinado, desencadeará o fenômeno da prescrição.”[8]
Sob essa perspectiva, a prescrição atinge somente a pretensão da parte de obter uma prestação devida por quem a descumpriu. Para se caracterize, é indispensável que: a) se esteja diante de uma relação jurídica da qual decorra direito de uma das partes à prestação da outra; b) haja recusa por parte do devedor da prestação, com flagrante violação ao direito subjetivo do credor (momento em que nasce a pretensão: poder do credor exigir do devedor o direito subjetivo violado); c) permaneça o titular do direito subjetivo violado inerte por período superior ao fixado no ordenamento, omitindo-se na defesa tempestiva da sua pretensão. É a inércia do credor em aviar a sua pretensão, depois de violado seu direito subjetivo atual, que faz iniciar o prazo prescricional. Não é o direito subjetivo que a inércia do credor faz desaparecer. A prescrição atinge o direito de exigir em juízo a prestação inadimplida (pretensão), o que pode ser reconhecido de ofício pelo juiz ou por provocação da parte interessada ou do Ministério Público, em qualquer etapa processual.
O fundamental é que se tenha evidenciado o direito de uma parte de ver cumprida determinada obrigação pela outra parte da relação. No momento seguinte ao do inadimplemento, pelo devedor, em face do credor, começa a correr o prazo prescricional eventualmente previsto no ordenamento. Findo o referido prazo, prescrito estará o poder de o credor exigir o cumprimento do direito subjetivo violado. Não obstante, considerando-se que não há perecimento do direito, se ocorrer o adimplemento espontâneo pelo devedor após ultrapassado o prazo prescricional, não se lhe reconhece o direito de exigir a restituição do valor pago voluntariamente, embora prescrito o dever.
Tais considerações evidenciam que o exercício do poder disciplinar não se submete a prazo prescricional consoante já definido. Isso porque o seu exercício não depende de uma relação jurídica na qual uma das partes (o Estado) poderia exigir da outra (o servidor) a prerrogativa punitiva. O dever de sancionar o servidor resulta de uma competência a ser exercida unilateralmente pelo Poder Público, sem qualquer dependência por parte dessa competência em face do agente público que somente estará obrigado a ela se sujeitar. Ou seja, quando se tratar do dever de punir o servidor infrator, a Administração não está diante de um direito subjetivo a ser exercido em face da outra parte de uma dada relação jurídica (servidor), mas sim de uma potestade pública reconhecida para o seu exercício unilateral. Em outras palavras, o poder disciplinar consubstancia um dos chamados direitos potestativos. Destes não nascem pretensões, porquanto os mesmos não implicam em prerrogativas a serem exigidas de terceiros em razão de suposta violação.
Nas relações jurídico-administrativas, reconhece-se ao Estado o chamado “poder extroverso”, que permite ao Poder Público editar provimentos que vão além da esfera jurídica do sujeito emitente, constituindo terceiros unilateralmente em obrigações, sem a necessidade de intervenção preliminar autorizativa do Judiciário. Referida prerrogativa abrange claramente a punição do servidor infrator pela Administração. Destarte, cabe ao Estado a aplicação unilateral de penalidades como demissão ou advertência aos servidores, o que se inclui dentre as prerrogativas lhe deferidas pelo ordenamento jurídico.
Caracteriza-se, assim, como direito potestativo reconhecido pela ordem jurídica à Administração o sancionamento do servidor que inobservar seus deveres ou incorrer em proibições, donde resulta induvidosa a natureza decadencial eventual prazo fixado para, na hipótese de sua inobservância, ser a pretensão aviada em Juízo.
Nas palavras de Almiro do Couto e Silva, “É bem sabido que a decadência atinge o direito subjetivo e que a prescrição diz respeito à pretensão”, sendo certo, no tocante aos direitos potestativos, sujeitos aos prazos decadenciais, que “Quem esteja no lado passivo fica, porém, sujeito ou exposto a que, pelo exercício do direito pela outra parte, nasça, se modifique ou se extinga direito, conforme o direito formativo seja gerador, modificativo ou extintivo”[9]. Quando se trata de decadência, ultrapassado o prazo fixado para o exercício do direito potestativo, tem-se que o próprio direito perece, pois atingido na essência. Nessa linha de raciocínio, Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald definem que “a decadência é a perda do próprio direito (potestativo) pelo seu não exercício em determinado prazo, quando a lei estabelecer lapso temporal para tanto.”[10]
Infere-se, nessa medida, que é decadencial o prazo para o Estado punir os servidores que, integrando seu quadro de pessoal, cometerem infrações funcionais. Nesse sentido, Luiz Carlos Figueira de Melo e Anderson Rosa Vaz dizem que o prazo para que a Administração exerça seu ius puniendi é decadencial, sendo certo que não há mais de cogitar de prazo prescricional.[11]
Sendo assim, conclui-se que o Poder Público decairá da prerrogativa de exercer sua competência disciplinar se deixar escoar o prazo fixado na lei dentro do qual lhe é possível atuar, aferindo a infração do servidor e conduzido à aplicação da penalidade cabível.
Não se ignora que a maioria da legislação estatutária federal, dos Estados e Municípios foi editada antes da edição do Código Civil de 2002 e, portanto, ainda influenciada pela confusão conceitual entre prescrição e decadência. A doutrina do Direito Administrativo, em especial afastada do aprofundamento na natureza jurídica de ambos os institutos, termina por se limitar a reproduzir as expressões consagradas na legislação, o que implica primazia do uso da “prescrição”, a despeito da clara natureza decadencial presente na espécie. Registra-se a importância de se fazer a distinção conceitual, até mesmo para que a Administração Pública absorva que é seu DEVER apurar a ocorrência de infração disciplinar e que sua OMISSÃO em fazê-lo no prazo legal leva à PERDA DA OBRIGAÇÃO APURATÓRIA E SANCIONATÓRIA e não do simples “poder de exigir” algo. Sublinha-se a importância de os estudiosos dedicarem-se à compreensão do sistema jurídico como um todo, sem ignorar as especificidades das aplicações na seara do direito público, especialmente em se tratando do quadro de pessoal necessário ao funcionamento de todo o Estado. Esse o primeiro desafio a enfrentar.
4. A competência para fixação do prazo máximo ao exercício do poder disciplinar
Quanto aos prazos decadenciais relativos ao exercício do poder disciplinar na Administração em face de um servidor, pode-se afirmar que todos os entes da federação têm competência para legislar sobre as penalidades disciplinares que incidirão sobre os infratores integrantes do seu quadro de pessoal. O direito em questão – exercício do poder disciplinar pela Administração – deve ter a sua regulação editada por cada pessoa jurídica de direito público interno em razão da autonomia política e administrativa que lhes reconhece a Constituição da República (artigos 1º, 18, 25, 30).
Cabe, portanto, a cada ente político (Município, Estado, DF e União) veicular, em legislação própria, as sanções aplicáveis diante de infrações disciplinares dos seus servidores. Se cada uma das pessoas políticas pode legislar sobre a matéria, todas podem, nas respectivas esferas, ditar os prazos para o exercício unilateral desta atribuição. Vale dizer: é o Estado-Membro quem pode editar regras legais que determinem os prazos de decadência para o exercício do poder disciplinar pela Administração estadual em face dos seus servidores, competência assumida e cumprida pelo Estado de Minas Gerais em seu ordenamento regional.
Considerando-se que ao Estatuto de cada nível da federação cabe fixar os prazos de decadência para a Administração aplicar a penalidade adequada à infração em tese, tem-se no artigo 142 da Lei Federal nº 8.112 o prazo máximo de 05 (cinco) anos para a Administração aplicar ao servidor faltas sancionáveis com demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade e destituição de cargo ou função; sendo de 02 (dois) anos o prazo se a punição aplicável for a de suspensão e de 180 (cento e oitenta) dias se a pena for de advertência. No âmbito do Estado de Minas Gerais, decorre do artigo 258 da Lei Mineira nº 869/52, que a Administração em 02 (dois) anos perde a possibilidade de aplicar ao servidor as penas de repreensão, multa e suspensão, sendo de 04 (quatro) anos o prazo se a punição aplicável for a de demissão por abandono de cargo.
Antes de ultimado o prazo fixado na legislação de regência em cada esfera federativa, não ocorre decadência do poder da Administração punir a infração cometida pelo servidor. Há orientação pacífica nos Tribunais Superiores no sentido da inadmissibilidade de se aplicar o princípio da imediatidade, típico das relações de trabalho, às relações funcionais de direito administrativo. Com efeito, nas relações entre Administração e os seus agentes, descabe falar em perdão tácito se, diante de uma falta disciplinar, não há imediato sancionamento, principalmente em se considerando a indisponibilidade do interesse público presente na espécie.[12]
Após decorrido o prazo legal máximo para o exercício da competência punitiva, certa é a decadência do poder disciplinar na espécie. A natureza de ordem pública dos prazos decadenciais e as características conceituais que lhe são intrínsecas deixam evidente a possibilidade da decretação de ofício da decadência administrativa. Com efeito, deve a Administração Pública reconhecer a sua ocorrência, de ofício, em estrito cumprimento aos princípios da legalidade e veracidade, da moralidade, da impessoalidade, da eficiência, da segurança jurídica e da supremacia do interesse público. Outrossim, cabível haja pronunciamento sobre decadência pelo Poder Público se provocado o controle jurisdicional dos comportamentos administrativos.
Em se tratando de decadência o que perece é o próprio direito, não importa o âmbito em que o mesmo seja exercido: seja na esfera administrativa, seja na do Poder Judiciário. Como elucida Almiro do Couto e Silva, extinto pela decadência, o direito, não há mais como exercitá-lo, por qualquer maneira ou via, devendo a decadência “ser conhecida pelo juiz de ofício, consoante o que dispõe, com rigor técnico, o art. 210 do novo Código Civil: ‘Deve o juiz de ofício, conhecer da decadência, quando estabelecida por lei’ (…)”.[13] No mesmo sentido, Francisco Amaral assevera que a decadência se opera de maneira fatal, atingindo irremediavelmente o direito, se não for oportunamente exercido: “No caso de decadência legal, deve o juiz conhecê-la de ofício (CC, art. 210).”[14]
5. Da prescrição intercorrente (no processo civil) à decadência intercorrente (no processo administrativo disciplinar). A relevância do processo disciplinar na estabilização pelo decurso do tempo. A posição do STJ quanto à sindicância não punitiva.
Um dos aspectos controversos em se tratando de prazo para exercício da competência disciplinar refere-se à possibilidade de reconhecer, de ofício, a “prescrição intercorrente” em se tratando de punição de servidores públicos.
O tema da prescrição intercorrente não é tratado com frequência pela doutrina brasileira, sendo raros os dispositivos do ordenamento que o consagram, tratando-se, principalmente, de lenta construção jurisprudencial. Destaca-se, aqui, a já citada dissertação de mestrado defendida pelo Procurador do Estado Bruno Rabello e aprovada pela Faculdade de Direito da UFMG sobre a matéria.[15] A prescrição intercorrente é definida pelo autor como “aquela consumada durante a tramitação do processo judicial em que o autor pretende fazer valer sua pretensão”. Neste sentido, é imprescindível que haja a inércia do titular do direito material no curso da demanda judicial, ocorrendo a prescrição como teria ocorrido antes mesmo do ajuizamento da ação. Registre-se que «o titular do direito lesado procurou o Estado dentro do limite temporal fixado pelo legislador, pedindo-lhe que tomasse as providências necessárias para a recomposição do direito”, negligenciando, posteriormente, o andamento processual. É imperioso frisar a necessidade de que a paralisação, após o ato interruptivo, seja imputável ao autor da demanda, não sendo decorrência do andamento moroso processual causado pelo Judiciário, em razão do excesso de demanda apresentado aos serviços forenses, nem mesmo de eventual ato praticado pela outra parte, como, v.g., retenção indevida de autos. O citado autor invoca lições de Humberto Theodoro Júnior e de Pamplona Filho no sentido de que, se o processo se imobilizou por qualquer motivo alheio ao autor, não se poderá cogitar da prescrição intercorrente, por longo que seja o retardamento do feito, sendo relevante apenas a inércia do próprio litigante que buscou a prestação jurisdicional, e não da máquina judiciária. Também o Superior Tribunal de Justiça vem refutando a ideia de prescrição intercorrente nos casos em que a paralisação do processo possa ser atribuída à deficiência dos serviços forenses ou ao próprio beneficiário da prescrição.[16]
Adverte Bruno Rabello que “É importante deixar claro que não se pode considerar como intercorrente a prescrição da pretensão executiva, pois esta não se configura durante o curso de nenhum processo”, sendo certo que “a prescrição da pretensão à execução da sentença só pode ocorrer no intervalo de tempo que medeia os dois processos. Não possui, portanto, a característica de intercorrente”. Com efeito, “Prescrição superveniente à sentença, passível de ser alegada em embargos, só pode ser prescrição da pretensão executiva, nunca a prescrição da pretensão que deu origem ao processo de conhecimento em que o título executivo se formou”. Ademais, o mencionado doutrinador observa, criticamente e com percuciência, que a inércia das partes não deveria ser considerada como motivo de paralisação do processo. Em primeiro plano, em razão do princípio do impulso oficial. Por força do referido princípio, “tendo o aparelho jurisdicional do Estado sido provocado, este passa a ser o principal interessado no andamento do processo e na justa solução do conflito”, motivo pelo qual “os órgãos jurisdicionais assumem a responsabilidade pela aceleração e pela duração dos processos”, o que pode “provir do Estado, através do juiz ou do escrivão, em geral de ambos combinadamente”. Além disso, “Cabendo ao autor a prática de determinado ato processual, sua omissão deveria ser sancionada por meio da preclusão temporal (perda da faculdade de praticar o ato processual em razão do decurso do prazo), competindo ao juiz dar seguimento ao processo.”[17]
Na hipótese de não ser possível o processo prosseguir sem a contribuição do autor e permanecendo este inerte, deve ser extinto o processo sem julgamento de mérito, o que afastaria, teoricamente, a hipótese de prescrição intercorrente, porquanto ausente embasamento jurídico apto a lhe sustentar. Na verdade, passado o prazo sem que a parte tenha praticado o ato que lhe competia e sem que exista motivo justificado para tanto, restariam ao magistrado duas opções: “a) considerar operada a preclusão em relação àquele ato, caso o processo possa prosseguir sem o mesmo; ou b) pôr fim ao processo sem apreciar o mérito, na hipótese contrária.”[18]
Reconhece Bruno Rabello, no entanto, que o Superior Tribunal de Justiça já reconheceu prescrição intercorrente ao fundamento de que o princípio do impulso oficial não é absoluto, cabendo ao exequente tomar as providências necessárias para o andamento do feito.[19] Na aludida hipótese, “a Fazenda Pública havia requerido que fossem expedidos ofícios à Receita Federal para que se averiguasse a existência de bens penhoráveis do contribuinte”, sendo que “O pedido foi deferido pelo magistrado, mas a Receita manteve-se em silêncio a respeito dos ofícios, tendo o contribuinte, decorridos cinco anos da paralisação, vindo a juízo e pedido para que se reconhecesse a prescrição. De se destacar que, no caso, não houve intimação pessoal (como exige o artigo 25 da Lei 6830/80) para que o procurador da Fazenda tomasse alguma providência e, não obstante, a prescrição foi reconhecida!”[20]
Necessário refletir sobre a ponderação levada a efeito pelo estudioso no sentido de que “embora se entenda a ânsia da doutrina e da jurisprudência em dar solução ao difícil problema dos processos que são abandonados à própria sorte após o ajuizamento da ação, são realmente incompreensíveis os motivos que levaram os juristas a se valer da prescrição intercorrente para esse fim”, não sendo absurda a conclusão de que a solução adotada é contrária não só ao direito escrito, mas também aos princípios informadores do ordenamento, sendo, portanto, inadmissível.
No âmbito do Direito Administrativo, afirma-se que, desde 1942, há norma regulatória da prescrição intercorrente capaz de atingir a pretensão dos terceiros perante o Poder Público quando se enquadrem na regra do Decreto Federal n° 20.910/32: “Art. 3° (…) consumar-se-á a prescrição no curso da lide sempre que a partir do último ato ou termo da mesma, inclusive da sentença nela proferida, embora passada em julgado, decorrer o prazo de dois anos e meio.”
Idêntica prescrição já se encontrava no artigo 173 do Código Civil de 1916, tendo sido reiterada no artigo 202, parágrafo único do atual Estatuto Civil. Uma das questões mais relevantes no que pertine à mencionada norma é saber em qual o momento deve-se ter como reiniciado o curso do prazo de prescrição interrompido durante demanda judicial, mormente em se considerando que existem causas interruptivas que não são, necessariamente, fato instantâneo. Caso se entenda, v.g., que, na hipótese de interrupção do prazo prescricional pela citação, o último ato a partir do qual o lapso temporal reinicia é a sentença definitiva, deixa-se mais uma vez sem sustentáculo a prescrição intercorrente.
Segundo Bruno Rabello, “A regra da unicidade da interrupção do prazo de prescrição acabou dando causa, ainda que indiretamente, à possibilidade de prescrição intercorrente”. Esta, contudo, “com feições bastante diferentes daquela tradicionalmente consagrada, pois não se trata de sanção pela inércia da parte, mas sim decorrência do uso indevido da faculdade de interromper o prazo de prescrição, faculdade esta que agora só poderá ser exercida uma vez. À liberdade de se interromper o curso do prazo prescricional veio se somar a responsabilidade pelo uso dessa faculdade”. Indispensável, no entanto, que se assegure ao devedor a informação de que o prazo prescricional de uma pretensão dirigida contra ele foi interrompido, até mesmo para evitar que se desfaça dos instrumentos de provas que podem ser úteis. “A interrupção do prazo, por meio de ato processual, sem a certeza de que a outra parte tomou conhecimento disso, não condiz com o devido processo legal e contraditório que balizam o nosso direito processual.”[21]
Registre-se que o artigo 40, § 4°, da Lei n° 6.830/80, com a redação dada pela Lei n° 11.051/04, estabelece que o juiz poderá, de ofício, ouvida a Fazenda Pública, reconhecer a prescrição intercorrente contra a Fazenda e decretá-la de imediato, quando houver decorrido o prazo prescricional a partir da decisão que ordenou o arquivamento do processo. Segundo José dos Santos Carvalho Filho, “Na hipótese, permite-se apenas à Fazenda argüir eventuais causas suspensivas ou interruptivas do prazo prescricional. Como a citada norma tem caráter processual, aplica-se de imediato aos processos em curso”.[22] Com a devida vênia do ilustre doutrinador, aquiesce-se com o entendimento segundo o qual a matéria relativa a prescrição tributária somente poderia ser disciplinada por lei complementar. Por isto, entende-se que nova norma padece de vício de inconstitucionalidade formal.
A teoria da prescrição intercorrente, elaborada principalmente sob o prisma do Processo Civil e aplicada às demandas judiciais, vem sendo invocada quando se trata de processos administrativos, inclusive de natureza disciplinar. Assim, tem-se parte da doutrina aduzindo que, se o Tribunal deixar de impulsionar o processo administrativo de tomada ou prestação de contas, quedando-se inerte, deixando de praticar os atos necessários ao seguimento do processo (ex: determinar ao responsável o cumprimento de diligências externas), pode haver prescrição intercorrente.[23]
Entende-se que, neste caso, ocorreu, de fato, decadência intercorrente da prerrogativa do órgão público de controle exercer o dever-poder que lhe é imposto. E se a paralisação do processo administrativo ocorrer por fato imputável ao administrado (ex: falta de empenho em cumprir a diligência externa), certo é que a cada determinação do Tribunal de Contas no sentido de que medidas sejam tomadas pelo administrado equivale à condição suspensiva.[24]
Tal entendimento passou a ser discutido também nos processos disciplinares. Ponderou-se que o prazo fixado no ordenamento para punir o servidor não incide somente até o início do exercício da competência disciplinar pelo Estado. Se, iniciado o procedimento com o objetivo de sancionar o infrator, a Administração Pública, de modo superveniente, interrompe a sua ação punitiva e permanece incólume na aplicação da pena adequada por tempo superior ao previsto na lei, é necessário reconhecer o transcurso de prazo decadencial como cabível na espécie. Entra em questão, nesse momento, como definir a interrupção da decadência e a retomada da contagem do prazo legal.
Originariamente se entendia que tanto a abertura de sindicância como a instauração do processo disciplinar interrompe o transcurso do prazo decadencial. Nesse sentido, também se posicionava a jurisprudência dos diversos Tribunais do país: “1. A abertura de sindicância ou instauração de processo disciplinar interrompe a prescrição até decisão final proferida por autoridade competente. 2. Afastada a prescrição decretada no juízo singular, não é permitido ao Tribunal se pronunciar sobre o mérito da pretensão se a causa não estiver suficientemente instruída e depender de produção de prova e análise de questões fáticas, como à espécie. 3. Prescrição afastada, impõe-se o retorno dos autos à origem para análise das demais questões discutida no feito.”[25]
É certo, entretanto, que o Superior Tribunal de Justiça, atualmente, somente admite a interrupção do prazo pela sindicância na hipótese da mesma ter caráter punitivo. Assim sendo, se meramente investigativa e preparatória do processo administrativo disciplinar, a instauração de sindicância não interrompe o prazo fixado em lei para punir o servidor. Confiram-se os seguintes julgados: “(…) 2. É cabível a interrupção da prescrição, em face da instauração de sindicância, somente quando este procedimento sumário tiver caráter punitivo e não meramente investigatório ou preparatório de um processo disciplinar, pois, neste caso, dar-se-á a interrupção somente com a instauração do processo administrativo disciplinar, apto a culminar na aplicação de uma penalidade ao servidor. 3. De acordo com jurisprudência consolidada deste Superior Tribunal de Justiça, o prazo legal para término do processo administrativo disciplinar é de 140 (cento e quarenta) dias. 4. A contagem do prazo prescricional, após a interrupção prevista no art. 142, § 3º, da Lei nº 8.112/90, deve ser retomada, por inteiro, a partir do término do prazo de interrupção. 5. Afasta-se a ocorrência de prescrição da pretensão punitiva estatal se, no momento da aplicação da pena de suspensão, ainda não tiverem transcorridos dois anos, contados a partir do fim do prazo de interrupção previsto no 142, § 3º, da Lei nº 8.112/90. 6. Nos termos da jurisprudência desta Corte, não há falar em vício no termo de indiciamento, quando há a descrição clara das condutas imputadas ao servidor e o detalhamento dos fatos ocorridos. 7. Segurança denegada”[26]
A importância de se fixar a natureza punitiva, ou não, da sindicância para fins de interrupção do prazo sancionatório disciplinar resulta clara independente do “nomen juris” dado ao procedimento, consoante decisão do Superior Tribunal de Justiça:
“A prescrição é interrompida com a instauração do referido procedimento (art. 142, § 3o. da Lei 8.112/90), não sendo definitiva, visto que após o prazo de 140 dias – prazo máximo para conclusão e julgamento (art. 152 c/c art. 167 da Lei 8.112/90) – o prazo prescricional recomeça a correr por inteiro. (…) 2. O ponto que restou controvertido está relacionado à natureza que teve a Sindicância que precedeu o Processo Administrativo Disciplinar ensejador da penalidade, defendendo o Impetrante que o procedimento foi punitivo e, portanto, marco interruptivo para a prescrição. Já a Autoridade Coatora, ora Agravante, afirma ter sido o procedimento meramente investigatório, pelo que a prescrição só teria restado interrompida com a instauração posterior do PAD. 3. De partida, deve-se destacar que os objetos, para serem apreendidos pelo Direito, devem ser analisados por seus caracteres essenciais e indecomponíveis, e não a partir dos nomes de que se revestem. Em filosofia jurídica, que se estabelece sob o signo de prescrever condutas, o essencialismo, característica do real, se sobrepõe ao puro nominalismo, porque a simples atribuição de rótulos às coisas não tem o condão de tomar aquilo que é pelo que não é. 4. Nestes termos, embora a jurisprudência desta Corte afirme que somente a sindicância instaurada com caráter punitivo tem o condão de interromper o prazo prescricional, e não aquelas meramente investigatórias ou preparatórias de um processo disciplinar (…), é inadmissível admitir que a nomenclatura conferida à Sindicância tenha o condão de alterar a sua natureza. 5. Toda sindicância é promovida com objetivo de justificar a abertura do processo disciplinar punitivo, com intenção de investigar possíveis condutas irregulares praticadas por Servidores. De certo, nem sempre o resultado final da Sindicância resultará em abertura de Processo Administrativo, mas seu resultado em nada desnatura a sua finalidade, que é a investigação para possível punição de Servidor infrator. 6. A mesma conclusão sobre o caráter punitivo do procedimento advém da própria condução da Sindicância com concessão de ampla defesa e contraditório, onde se verifica que não há mera apuração dos fatos, mas, sim, a averiguação de fatos que poderão levar ao indiciamento do Servidor, com abertura de prazo para a apresentação de Defesa, a oferta de Defesa Prévia, a oitiva de testemunhas e a efetivação de diligências requeridas pela Defesa, culminando a instrução com relatório conclusivo da Comissão Sindicante para fins de abertura de Processo Administrativo Disciplinar. 7. No caso dos autos, a Portaria que efetivamente instaurou a Sindicância se valeu de expressões amplas e genéricas, que não indicaram a natureza do procedimento; contudo a feição punitiva é evidenciada pelas manifestações que subsidiaram a instauração, expressas ao concluir pela instalação de sindicância punitiva, considerando a natureza dos fatos e entendendo não ser necessária a colheita prévia de informações. 8. Assim, no caso concreto, a prescrição começou a correr com o conhecimento dos fatos pela Administração, dado em 2.8.2007, sendo interrompida pela instauração da Sindicância de caráter punitivo em 25.9.2007. Considerando que o julgamento da Sindicância ocorreu tão só em 22.7.2008, o recomeço da contagem do prazo prescricional interrompido se deu antes, com o escoamento do prazo legal para a conclusão do procedimento – máximo de 140 dias. 9. Tendo em vista que a penalidade ao final imputada ao Servidor foi a suspensão, cuja aplicação se encontra na legislação – prazo prescricional de 2 anos -, conclui-se, em forma simplificada de cálculo, que a Administração tinha 2 anos e 140 dias a partir de 25.9.2007 para aplicar a penalidade, prazo extrapolado, já que a Portaria punitiva foi exarada somente em 31.3.2010 e publicada em 1o.4.2010, operando-se assim a prescrição.”[27]
Em se tratando de processo disciplinar nulo, o qual se entende incapaz de interromper o prazo fixado no estatuto para punição do servidor infrator, tem-se jurisprudência que exclui sua eficácia interruptiva: “1. A Terceira Seção desta Corte tem entendimento no sentido de que o anterior processo administrativo disciplinar declarado nulo não tem o condão de interromper o prazo prescricional da pretensão punitiva estatal, que deverá ter como termo inicial, portanto, a data em que a Administração tomou ciência dos fatos. Precedentes. 2. O fato de a nova Comissão Processante ter indiciado os servidores num período de tempo exíguo, contado da instauração do novo processo disciplinar, não importa em ocorrência de nulidade ou cerceamento de defesa se devidamente especificados os fatos a eles imputados e indicadas as respectivas provas. (…)”.[28]
Nos casos em que se admite a interrupção do prazo para punir o servidor, quais sejam, abertura de processo disciplinar ou instauração de sindicância administrativa com caráter punitivo[29], o prazo de decadência volta a correr por inteiro, após a decisão última da autoridade ou competente ou depois de findo o período previsto em lei para conclusão do procedimento administrativo. Entende-se que a simples abertura do processo disciplinar ou da sindicância não pode servir como causa interruptiva eterna do prazo decadencial, sendo necessário que se conclua o procedimento com imposição da penalidade adequada à hipótese em julgamento. Se essa conclusão não acontecer, a retomada da contagem prazo de decadência não se dá a partir do próprio ato interruptivo (abertura do processo disciplinar ou da sindicância administrativa), como ocorre no direito penal. No âmbito do poder punitivo da Administração em face de servidores públicos, a retomada do prazo para o Estado sancionar o infrator ocorre se a decisão disciplinar final, com aplicação efetiva da sanção, não for exarada no período máximo para que o procedimento se finde.
Confira-se o voto do Ministro Sydney Sanches, relator do MS n° 23.013-1-GO, julgado pelo Pleno do STF: “É certo que, nos termos do § 2° do art. 142 da Lei n° 8.112/90, a abertura de sindicância ou a instauração do processo disciplinar interrompe a prescrição, até a decisão final proferida por autoridade competente, acrescentando o § 4°: interrompido o curso da prescrição, o prazo começará a correr a partir do dia em que cessar a interrupção. 21. Sucede que esta Corte, no julgamento do MS 22.728-1-PR, de que foi Relator o eminente Ministro MOREIRA ALVES, em situação assemelhada decidiu: (… ) em se tratando de inquérito, instaurado este a prescrição é interrompida, voltando esse prazo a correr novamente por inteiro a partir do momento em que a decisão definitiva não se der no prazo máximo de conclusão do inquérito, que é de 140 dias”.[30]
No âmbito federal, a legislação que regula o processo disciplinar determina que este termine no período de 140 (cento e quarenta) dias. Se, em dado caso concreto, 140 (cento e quarenta) dias após a sua instauração o mesmo ainda não se terminou com a aplicação da penalidade cabível, reinicia-se no 141° dia o transcurso do prazo de decadência, de modo integral. O STJ já assentou que “Interpretando os artigos 142, 152 e 167 da Lei n° 8.112/90, o Supremo Tribunal Federal decidiu que o prazo prescricional, interrompido com a instauração do processo administrativo, recomeça a correr após cento e quarenta dias da data em que deveria ter sido concluído o processo disciplinar, somando, para tanto, os prazos para a conclusão do processo administrativo disciplinar e para a aplicação da penalidade.”[31] Com efeito, trata-se de posicionamento já consagrado no Pleno do Supremo Tribunal Federal[32] e também no Superior Tribunal de Justiça[33].
Se a sindicância administrativa com natureza punitiva for anulada, no entanto, o prazo de decadência volta a ser contado da ciência, pela Administração, da prática do ilícito administrativo, independentemente da eventual instauração subsequente de processo disciplinar: “6. Havendo anulação da sindicância, porque sua declaração determina a exclusão do mundo jurídico do ato viciado, o prazo prescricional da pretensão punitiva volta a ser contado da ciência, pela Administração, da prática do suposto ilícito administrativo. Precedente. 7. Hipótese em que a Administração teve ciência das supostas irregularidades em 23/3/1998. Abriu sindicância em 25/1/999, que concluiu pela inexistência de ilícitos administrativos e que posteriormente foi anulada. No entanto, instaurou o processo administrativo disciplinar por meio de portaria publicada em 1°/9/2001, quando já havia transcorrido o prazo de 2 (dois) anos para aplicação da pena de suspensão, nos termos do art. 142 da Lei 8122/90.”[34]
Dessas ponderações infere-se que a paralisação da atividade administrativa pode levar à perda da competência sancionatória do agente infrator não apenas se ocorre antes do início do processo disciplinar ou da instauração da sindicância com natureza punitiva. Se a Administração, embora iniciando dentro do prazo legal o procedimento que deve anteceder a punição do servidor, paralisa suas ações durante o processo disciplinar ou sindicância punitiva, é preciso reiniciar a contagem do lapso temporal máximo previsto em lei para sancionar o servidor; o termo “a quo” desse novo período será o primeiro dia subsequente ao prazo máximo previsto para o trâmite do processo disciplinar ou da sindicância de caráter punitivo. É certo que, após o referido termo inicial, o prazo de decadência será retomado e contado por inteiro, desprezando-se todo o período anteriormente transcorrido (antes da instauração da sindicância punitiva ou do processo disciplinar), em razão da natureza interruptiva atribuída à abertura do processo disciplinar ou sindicância de natureza punitiva.[35]
A essa situação, parte da doutrina denomina “prescrição intercorrente”. Trata-se da extensão aos processos administrativos disciplinares da extinção do direito de ação previsto no âmbito do processo civil, durante o andamento de contenda judicial. Embora não haja previsão legislativa específica para os processos disciplinares, certo é que o STF e o STJ, mesmo quando não consagram o instituto com nomenclatura expressa, admitem o fim da prerrogativa punitiva disciplinar após instauração do processo administrativo e antes de prolatada a decisão pertinente ao sancionamento do agente público infrator.
Buscando um mínimo de coerência técnica e terminológica sobre a matéria é certo que não se trata de “prescrição intercorrente”, mas de “decadência intercorrente”, o que exige dos juristas compreensão na mudança dos paradigmas que distinguem os institutos da prescrição e decadência vigentes até o Código Civil de 2002. Se antes da vigência do novo CC era correto enumerar como um dos critérios distintivos entre as duas figuras, no direito privado, que “decadência não se interrompe e prescrição sim”, é certo que tal assertiva não procede contemporaneamente, máxime no âmbito do Direito Administrativo. De fato, há muito se reconhecia a possibilidade de interromper o transcurso do prazo máximo para punição de servidor pela abertura de processo disciplinar, o que permanece incólume na realidade jurídica atual. Essa interrupção hoje requer lhe seja atribuída a nomenclatura adequada, a saber, decadência intercorrente.
A decadência intercorrente é aquela que ocorre no transcurso de um processo disciplinar ou de uma sindicância com natureza punitiva, pelo fato de a Administração incorrer em morosidade para instruir o procedimento, analisá-lo ou fazer incidir a pena adequada no caso concreto. Não se trata de perda da competência sancionatória pelo fato de a Administração não iniciar o processo disciplinar antes de findo o prazo estabelecido em lei para punir o servidor. A Administração inicia o procedimento administrativo adequado para a punição, mas é ineficiente na sua conclusão dentro do prazo legal, ensejando a retomada do curso do prazo de decadência.
É preciso fazer a adaptação do raciocínio à legislação vigente em cada Estado da Federação e em cada Município. Especificamente quanto às regras em vigor no âmbito do Estado de Minas Gerais, é certo que o artigo 223 da Lei nº 869/52 estabelece o início do processo administrativo no prazo de 03 (três) dias contados da designação dos membros da comissão, com conclusão no período de 60 (sessenta) dias, a contar do seu início. O parágrafo único do citado dispositivo admite que “por motivo de força maior, poderá a autoridade competente prorrogar os trabalhos da comissão pelo máximo de 30 dias”. Confira-se, ainda, a prescrição do artigo 229: “Art. 229. Entregue o relatório da comissão, acompanhado do processo, à autoridade que houver determinado à sua instauração, essa autoridade deverá proferir o julgamento dentro do prazo improrrogável de sessenta dias. Parágrafo único – Se o processo não for julgado no prazo indicado neste artigo, o indiciado reassumirá, automaticamente, o exercício de seu cargo ou função, e aguardará em exercício o julgamento, salvo o caso de prisão administrativa que ainda perdure.”
Dos mencionados dispositivos, tem-se a previsão de 60 (sessenta) dias para apuração no processo disciplinar, seguindo-se mais 30 (trinta) dias de possível prorrogação, além de 60 (sessenta) dias para julgamento, o que perfaz um total de 150 (cento e cinquenta) dias como lapso temporal máximo previsto para transcurso do processo disciplinar no âmbito estadual.
Assim sendo, tem-se que o prazo de decadência previsto para punição de um servidor estadual interrompe o seu curso pela abertura do processo disciplinar, não transcorrendo pelo período de 150 (cento e cinquenta) dias. No 151º dia posterior ao início do processo disciplinar pelo Estado, o prazo de decadência para sancionar o agente público infrator recomeça a contar, por inteiro. A penalidade deve ser aplicada pela Administração Pública ao servidor, no processo disciplinar, antes de ultimado o prazo decadencial (p. ex., 4 anos), sob pena de perda da competência punitiva. Se acontecer de o processo disciplinar, embora instaurado antes da Administração decair da sua competência, sofrer demora excessiva na sua condução à luz do prazo máximo previsto na lei para punir o infrator, ter-se-á a decadência. Ocorrendo a perda do poder-dever de disciplinar o servidor, qualquer autoridade pública (administrativa ou judicial) poderá reconhecer o desaparecimento do direito na espécie. Isso porque em relação à punição disciplinar de natureza administrativa o Estado terá perdido o próprio direito de sancionar o agente infrator. O desaparecimento da sua competência consubstancia fato de reconhecimento obrigatório nas diversas esferas executiva ou de controle.
Observe-se que tal conclusão encontra fundamento na própria Lei de Processo Administrativo do Estado de Minas Gerais. De fato, o artigo 50 da Lei Estadual nº 14.184/2002 estabelece que “A Administração pode declarar extinto o processo quando exaurida sua finalidade ou quando o objeto da decisão se tornar impossível, inútil ou prejudicado por fato superveniente”. Se no bojo de qualquer procedimento que objetiva uma determinada atuação, tem-se demonstrado que o Poder Público perdeu o direito de executar tal comportamento, tem-se como injustificável a continuidade do trâmite administrativo, impondo-se a extinção do processo. Destarte, se a Administração perdeu a competência para punir um servidor, seria desarrazoado continuar a fazer a máquina estatal usar recursos (orçamentários, humanos e patrimoniais) a esse propósito. Afinal, nenhum efeito prática decorreria de tal realidade, sendo imperioso observar a exigência de eficiência e razoabilidade integrantes do sistema normativo brasileiro.
No âmbito federal, a Controladoria Geral da União editou o Enunciado nº 04 assentando que “A Administração Pública pode, motivadamente, deixar de deflagrar procedimento disciplinar, caso verifique a ocorrência de prescrição antes da sua instauração, devendo ponderar a utilidade e a importância de se decidir pela instauração em cada caso”. Ora, se é possível não iniciar processo disciplinar, em razão da perda do dever de punir, nenhum impedimento existe em reconhecer a decadência na via administrativa durante o trâmite do procedimento, de modo que não se dê continuidade a atuação que resultaria absolutamente inócua na espécie.
Sendo assim, entende-se que é possível reconhecer a ocorrência de decadência no tocante ao dever de punir os servidores infratores em dois momentos distintos: a) antes de iniciado qualquer procedimento destinado a apurar as circunstâncias fáticas ensejadoras do sancionamento, se após o conhecimento do ilícito pela Administração transcorrer lapso temporal superior ao prazo máximo fixado para o exercício do poder disciplinar; b) depois de iniciado o processo disciplinar ou eventual sindicância de natureza punitiva e se o procedimento não se concluir no prazo máximo fixado na lei, hipótese em que se retomará a contagem do prazo decadencial por inteiro no primeiro dia subsequente àquele em que o procedimento deveria se findado, com imposição da sanção adequada à espécie.[36]
Em as ambas situações, é preciso que se apure eventual responsabilidade de órgão, autoridade e/ou servidor que, com sua omissão, ensejou a perda do dever de punir. Na hipótese de negligência caracterizadora de culpa ou até mesmo de dolo, entende-se necessário responsabilizar aquele que, desidioso ou por escolha ilícita voluntária, tenha dado causa à inoperância da atividade administrativa disciplinar. A correção de tal raciocínio decorre clara da obrigatoriedade do exercício dos poderes reconhecidos àqueles que exercem atividade administrativa, inclusive de natureza punitiva. A partir do momento em que a Administração tem conhecimento de um fato que consubstancia infração disciplinar, é dever inafastável que servidores e órgãos competentes tomem as medidas necessárias ao processamento administrativo em tempo hábil, sob pena de responderem pessoalmente pela inobservância de tais deveres, ressalvadas as hipóteses excludentes como, p. ex., força maior.
A regra geral evidencia que apurar os fatos que caracterizam ilícito funcional é obrigação normativa de quem integra os quadros da Administração e o descumprimento desse dever enseja responsabilização daquele que, dolosa ou culposamente, deixou de atender às exigências normativas.
6. Para depois
Além de todos os pontos analisados, há aspectos que requerem estudo específico como as situações em que há sobreposição entre diferentes instâncias punitivas. Assim acontece quando um comportamento do servidor ao mesmo tempo corresponde a um tipo penal e a uma infração disciplinar, havendo regras em determinadas legislações estatutárias que obrigam a Administração Pública, ao apurar a ocorrência do ilícito disciplinar, observar o prazo de prescrição do Direito Penal como lapso temporal máximo incidente na espécie. Também é possível que a mesma infração disciplinar cause prejuízos ao erário, o que atrai o dever de ressarcimento cujo exercício coloca em questão a discussão sobre a imprescritibilidade, ou não, do pedido indenizatório do Estado. Tais assuntos controversos serão analisados em artigo subsequente, com adequada densidade e fundamentação.
[1] FREITAS, Juarez. O controle dos atos administrativos e os princípios fundamentais. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 76.
[2] VALIM, Rafael. O princípio da segurança jurídica no direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 68.
[3] SILVA, Clarissa Sampaio. Limites à invalidação dos atos administrativos. São Paulo: Max Limonad, 2001, p. 86.
[4] OTERO, Paulo. Legalidade e administração pública. o sentido da vinculação administrativa à juridicidade. Coimbra: Almedina, 2007, reimpressão da ed. 2003, p. 1069.
[5] OTERO, Paulo. Legalidade e administração pública. o sentido da vinculação administrativa à juridicidade, op. cit., p. 1070.
[6] STOCO, Rui. Revisão dos atos administrativos após o decurso do prazo de cinco anos (a questão da preclusão temporal). Revista dos Tribunais, a. 98, v. 886, p.47, ago/2004.
[7] LESSA, Sebastião José. O ditoso ambiente de segurança jurídica na lida do direito administrativo disciplinar. Fórum Administrativo – FA, Belo Horizonte: Fórum, ano 10, n. 113, julho de 2010, p. 36.
[8] TEPEDINO, Gustavo et al. “Código Civil Interpretado Conforme a Constituição da República, v. I, Rio de Janeiro, Renovar, 2004, p. 350.
[9] Revista de Direito Administrativo, v. 237, p. 291-292.
[10] ROSENVALD, Nelson. FARIAS, Cristiano Chaves de. Direito Civil – Teoria Geral, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2006, p. 522.
[11] Boletim de Direito Administrativo, janeiro de 2003, p. 39.
[12] Confiram-se os seguintes julgados: (MS nº 8.928-DF, rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, 3ª Seção do STJ, julgamento em 24.09.2008, DJe de 07.10.2008) e (Ag. Regimental no MS nº 23.219-RS, rel. Min. Eros Grau, Pleno do STF, DJU de 19.08.2005, p. 04).
[13] SILVA, Almiro do Couto e. O princípio da segurança jurídica (proteção à confiança) no direito público brasileiro e o direito da administração pública de anular seus próprios atos administrativos: o prazo decadencial do art. 54 da lei de processo administrativo da união (lei n° 9.784/99). Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, Renovar, n. 237, p. 292-293, jul./set. 2004.
[14] AMARAL, Francisco Amaral. Direito civil: introdução. 5. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 589.
[15] RABELLO, Bruno. Prescrição intercorrente: uma releitura. Dissertação de mestrado. Faculdade de Direito da UFMG. Defesa em 22.02.06. Orientador: Prof. João Baptista Villela.
[16] REsp n° 11.106-SC, rel. Min. Adhemar Maciel, 2a Turma do STJ, DJU de 10.11.1997; REsp n° 578.922, rel. Min. Eliana Calmon, DJU de 28.02.2005 e REsp n° 200.456, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJU de 17.05.1999.
[17] RABELLO, Bruno. Prescrição intercorrente: uma releitura. Dissertação de mestrado. Faculdade de Direito da UFMG. Defesa em 22.02.06. Orientador: Prof. João Baptista Villela.
[18] RABELLO, Bruno. Prescrição intercorrente: uma releitura. Dissertação de mestrado. Faculdade de Direito da UFMG. Defesa em 22.02.06. Orientador: Prof. João Baptista Villela.
[19] REsp n° 502.732-PR, rel. Min. Franciulli Netto, STJ, DJU de 29.03.2004.
[20] REsp n° 502.732-PR, rel. Min. Franciulli Netto, STJ, DJU de 29.03.2004.
[21] RABELLO, Bruno. Prescrição intercorrente: uma releitura. Dissertação de mestrado. Faculdade de Direito da UFMG. Defesa em 22.02.06. Orientador: Prof. João Baptista Villela.
[22] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 15. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 843.
[23] DEIAB, Felipe R. Algumas reflexões sobre a prescrição e a decadência no âmbito da atuação dos Tribunais de Contas. Revista Brasileira de Direito Público, Belo Horizonte, a. 2, n. 4, p. 142, jan./mar. 2004.
[24] DEIAB, Felipe R. Algumas reflexões sobre a prescrição e a decadência no âmbito da atuação dos Tribunais de Contas. Revista Brasileira de Direito Público, Belo Horizonte, a. 2, n. 4, p. 142-143, jan./mar. 2004.
[25] Apelação Cível nº 200761230011647, rel. Juiz Mairan Maia, 6ªTurma do TRF da 3ª Região, DJF3 de 19.04.2011, p. 1.164.
Confira-se, no STJ, o seguinte acórdão: REsp nº 1.675.064-RJ, rel. Min. Herman Benjamin, 2ª Turma do STJ, DJe de 13.09.2017
[26] MS nº 11.644-DF, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, 3ª Seção do STJ, DJe de 08.11.2010.
“1. A jurisprudência da Primeira e Terceira Seções do STJ é firme no sentido de que o lapso prescricional não é interrompido com a sindicância, pois esta não tem caráter punitivo, e sim investigativo. 2. Se observado o prazo prescricional de cinco anos entre a ciência dos fatos pela autoridade competente e a instauração do processo disciplinar, assim como entre os 140 dias da instauração desse procedimento e a aplicação da penalidade disciplinar, não há falar em prescrição da pretensão punitiva estatal. Precedentes do STJ. 3. Segurança denegada.” (MS nº 15.230-DF, rel. Min. Herman Benjamin, 1ª Seção do STJ, DJe de 15.03.2011)
[27] Agravo Regimental no MS nº 15.280-DF, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, 1ª Seção do STJ, DJe de 19.12.2018
[28] MS nº 12.176-DF, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, 3ª Seção do STJ, DJe de 08.11.2010
“1. É cabível a interrupção da prescrição, em face da instauração de sindicância, somente quando este procedimento sumário tiver caráter punitivo e não meramente investigatório ou preparatório de um processo disciplinar, pois, neste caso, dar-se-á a interrupção somente com a instauração do processo administrativo disciplinar, apto a culminar na aplicação de uma penalidade ao servidor. 2. A Terceira Seção desta Corte tem entendimento no sentido de que o anterior processo administrativo disciplinar declarado nulo, por importar em sua exclusão do mundo jurídico e consequente perda de eficácia de todos os seus atos, não tem o condão de interromper o prazo prescricional da pretensão punitiva estatal, que deverá ter como termo inicial, portanto, a data em a Administração tomou ciência dos fatos. 3. Transcorridos mais de 5 anos entre a data que a Administração tomou ciência da última irregularidade supostamente praticada pelo servidor e a data de instauração do processo administrativo que culminou na sua demissão, primeiro marco interruptivo prescricional, é de se entender prescrita a pretensão estatal de aplicar a pena de demissão ao impetrante. 4. Segurança concedida.” (Mandado de Segurança nº 13.703-DF, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, 3ª Seção do STJ, DJe de 07.04.2010).
[29] Embargos de Declaração no MS nº 11.493-DF, rel. Min. Nefi Cordeiro, 3ª Seção do STJ, DJe de 15.05.2018.
[30] Lex JSTF, v. 253, p. 132.
[31] RMS n° 17.775-BA, rel. Min. Hamilton Carvalhido, 6ª Turma do STJ, DJU de 29.11.2004, p. 412.
[32]“III. Punição disciplinar: prescrição: a instauração do processo disciplinar interrompe o fluxo da prescrição, que volta a correr por inteiro se não decidido no prazo legal de 140 dias, a partir do termo final desse último. IV. Processo administrativo-disciplinar: congruência entre a indiciação e o fundamento da punição aplicada, que se verifica a partir dos fatos imputados e não de sua capitulação legal.” (MS n° 23.299-SP, rel. Min. Sepúlveda Pertence, Pleno do STF, DJU de 12.04.2002, p. 55).
No mesmo sentido: “PRESCRIÇÃO – PROCESSO ADMINISTRATIVO – INTERRUPÇÃO. A instauração de comissão de inquérito interrompe o qüinqüênio prescricional. Conforme precedente, este apenas volta a correr uma vez encerrado o prazo de cento e quarenta dias para a conclusão do processo administrativo (Mandados de Segurança nos 22.278 e 22.679, relatados pelos Ministros Carlos Velloso e Sepúlveda Pertence, respectivamente).” (MS n° 23.176-RJ, rel. Min. Marco Aurélio, Pleno do STF, DJU de 10.09.1999, p. 03).
No mesmo sentido, veja-se: MS n° 11.739-DF, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, 3a Seção do STJ, DJe de 21.11.2008.
[33] “Os prazos prescricionais previstos no art. 142 da Lei n. 8112/1990 iniciam-se na data em que a autoridade competente para a abertura do procedimento administrativo tomar conhecimento do fato, interrompendo-se com o primeiro ato de instauração válido, sindicância de caráter punitivo ou processo disciplinar, e volta a fluir por inteiro após decorridos 140 dias desde a interrupção.” (MS nº 25.222-DF, rel. Min. OG Fernandes, 1ª Seção do STJ, DJe de 02.12.2019).
[34] MS n° 8.192-DF, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, 3ª Seção do STJ, DJU de 26.06.2006, p. 113. No mesmo sentido, veja-se: MS n° 12.994-DF, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, 3ª Seção do STJ, julgamento em 24.09.2008, DJe de 14.11.2008.
[35]Assim o STJ vem entendendo ao manter, em decisões recentes, acórdãos dos Tribunais de segundo grau exarados nessa mesma linha de raciocínio: Agravo Interno no REsp nº 1.757.796-DF, rel. Min. Herman Benjamin, 2ª Turma do STJ, DJe de 05.09.2019.
Confira, ainda, sobre a contagem do prazo fixado no artigo 142 da Lei 8.112, com a hipótese de interrupção pela instauração de processo disciplinar: MS nº 21.012-DF, rel. p/ acórdão Min. Sérgio Kukina, 1ª Seção do STJ, DJe de 02.09.2019; MS nº 21.669-DF, rel. Min. Gurgel de Faria, 1ª Seção do STJ, DJe de 09.10.2017.
[36] À obviedade, se não transcorrer o prazo máximo fixado para punição não há que se falar em decadência. Exemplo de contagem em que se afastou a perda da competência sancionatória pela Administração Pública, tem-se no seguinte acórdão: Agravo Interno no RMS nº 39.490-MS, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, 1ª Turma do STJ, DJe de 12.05.2017.
Olá professora. Sobre o texto a seguir, com relação ao saldo do prazo prescricional, não se computam mais os 140 dias?
“Acrescente-se ainda que, caso a Administração efetivamente aplique determinada pena
dentro do prazo prescricional (ou seja, dentro de 180 dias, de dois anos ou de cinco anos após
as “franquias” de oitenta, 140 ou cinquenta dias, dependendo da pena e do rito), e
posteriormente esta apenação venha a ser anulada ou revogada administrativamente ou
anulada judicialmente, terá se cessado a contagem do prazo prescricional na data da
publicação do ato punitivo. Se houver interesse público e motivação para a retomada dos
trabalhos, a Administração ainda contará com o saldo do prazo prescricional que não foi
utilizado até a apenação anulada ou revogada, subtraindo o prazo total de 180 dias, dois anos
ou cinco anos (dependendo da pena) do prazo que efetivamente voltou a fluir até aquela
apenação, para voltar a processar o feito disciplinar. Em outras palavras, isto quer dizer que o
prazo prescricional ainda restante independe do tempo decorrido desde a publicação da
apenação anulada ou revogada até a retomada dos trabalhos.”