1. Introdução
No Direito Público, tal como no direito privado, a manutenção de situações jurídicas pendentes poderia eternizar conflitos que comprometeriam a própria segurança social. Daí a prescrição e a decadência incidirem sobre as relações jurídico-administrativas. No entanto, é indispensável compatibilizar ambos os institutos com os demais princípios integrantes do ordenamento, em especial a juridicidade e a supremacia do interesse público. Referida ponderação há de se dar quando do julgamento da constitucionalidade das regras que veiculam as hipóteses de prescrição e de decadência, à luz da própria técnica de proporcionalidade, bem como quando do exame das situações em que o ordenamento se omitiu no estabelecimento de prazos decadenciais e prescricionais.
2. Confusão terminológica e evolução legislativa
Cumpre reconhecer, preliminarmente, que há certa confusão até mesmo na terminologia conceitual utilizada para distinguir ambos os institutos. Classicamente, a maioria da doutrina embasou as noções de decadência e prescrição administrativas na Teoria Geral do Direito trabalhada após o Código Civil de 1916. A questão é que o CC de 1916 englobou todos os prazos extintivos sob o nomen iuris de prescrição, regendo-os pelas mesmas regras. O referido Estatuto não tratou, de modo expresso e com autonomia científica, do instituto da decadência. Como esclarece Humberto Theodoro Júnior,
“(…) o primitivo projeto preparado por Clóvis Bevilaqua para o Código Civil brasileiro dispunha genericamente sobre os prazos prescricionais e os de decadência se achavam dispersos, junto à disciplina dos direitos que a eles se subordinavam. Assim permaneceu durante as discussões regimentais. Na redação final, foi que a comissão dela encarregada, na suposição de aprimorar o projeto, transferiu da Parte Especial para a Parte Geral todos os prazos de decadência, colocando-os ao lado dos prazos prescricionais. Sobre essa esdrúxula e confusa unificação não chegou a haver debate, de sorte que o planejado melhoramento acabou por redundar, para os aplicadores do Código num dificílimo problema, pois o que efetivamente se deu foi um ‘erro manifesto de classificação’, como registrou Costa Manso.”[1]
Neste panorama, a doutrina brasileira terminou imersa na confusão conceitual a propósito da prescrição e decadência. Poucos foram os autores que examinaram as diversas correntes do direito comparado que definiam prescrição ora como extinção da pretensão não exercida no prazo legal (direito alemão), ora como extinção do direito por falta de exercício pelo titular durante o tempo determinado pela lei (direito italiano). Especificamente no âmbito do Direito Administrativo, raros dispositivos fixavam prazos para o Poder Público exercer as atribuições lhe impostas pela ordem jurídica, sendo o Decreto Federal n° 20.910/32 um dos poucos diplomas a estabelecer período temporal para terceiros invocarem prejuízos e lesões em face da Administração Pública.
Não há dúvida que foi o Código Civil de 2002 o texto normativo que tomou posição a propósito da matéria e optou por conceituar a prescrição como perda da pretensão (art. 189 do CC/02). O novo Estatuto Civil deixou clara a opção pelo direito alemão na medida em que a prescrição extingue o direito de uma pessoa a exigir de outra uma prestação (ação ou omissão), ou seja, provoca a extinção da pretensão, quando não exercida no prazo definido na lei: “O que o legislador quis foi deixar claro que não é o direito subjetivo descumprido pelo sujeito passivo que a inércia do titular faz desaparecer, mas o direito de exigir em juízo a prestação inadimplida que fica comprometido pela prescrição.”[2]
3. Prescrição
Sob a perspectiva do Código Civil de 2002, a prescrição atinge somente a pretensão da parte de obter uma prestação devida por quem a descumpriu. Para que se caracterize, é indispensável que: a) se esteja diante de uma relação jurídica da qual decorra direito de uma das partes à prestação da outra; b) haja recusa por parte do devedor da prestação, com flagrante violação ao direito subjetivo do credor (momento em que nasce a pretensão, qual seja, poder do credor exigir do devedor o direito subjetivo violado); c) permaneça o titular do direito subjetivo violado inerte por período superior ao fixado no ordenamento, omitindo-se na defesa tempestiva da sua pretensão.
Como bem ensina Francisco Amaral, direito subjetivo “é o poder que o ordenamento jurídico reconhece a alguém de ter, fazer ou exigir de outrem determinado comportamento”, ao que acresce: “A pretensão revela-se, portanto, como um poder de exigir de outrem uma ação ou omissão. É, para alguns, sinônimo de direito subjetivo, embora com conotação dinâmica, enquanto aquele é estático e, para outros, ainda, uma situação jurídica subjetiva.”[3]
É a inércia do credor em aviar a sua pretensão, depois de violado seu direito subjetivo atual, que faz iniciar o prazo prescricional. Lembra Humberto Theodoro Júnior que o Código Civil alemão já determinava que “a prescrição começa com o nascimento da pretensão” (§ 198), sendo certo que “Os direitos subjetivos entram no mundo jurídico, em princípio, sem limitação temporal, ou seja, nascem com possibilidade perpétua de exercício. Nem sempre, porém, as coisas são assim. A prescrição, como já se viu é um marco traçado pela lei, para o credor de prestação inadimplida reagir pelas vias judiciais”.[4]
Não se ignora posições críticas em relação aos referidos entendimentos, destacando-se a sustentada por Bruno Rabello em sua dissertação de mestrado defendida junto à Faculdade de Direito da UFMG.[5]Analisando o ordenamento anterior à Lei n° 11.280/06 (que deu nova redação ao artigo 219, § 5° do CPC), o autor identifica a natureza jurídica da prescrição como exceção, vale dizer, como mecanismo de defesa, não se compreendendo o porquê da insistência da doutrina em ligar o instituto à extinção:
“Evidente que o direito atingido pela prescrição se mostra enfraquecido, posto que vulnerável pela possibilidade de a ele se opor a prescrição. Mas somente a efetiva oposição dessa exceção é que atingirá a eficácia da pretensão manifestada, nunca a prescrição em si mesma. Consumada a prescrição, a satisfação do direito fica a depender da boa vontade de seu sujeito passivo, retirando-se do seu titular o poder de impô-lo, mas‚ el no poder imponer um derecho no equivale necesariamente a su extinción, aunque sea um estado anormal, de excepcional debilidad del mismo’.”[6]
Malgrado posições como a delineada supra, corroboradas por lições de autores como Cândido Rangel Dinamarco, que entende a prescrição como uma exceção de mérito em sentido estrito, não se admite, no atual ordenamento brasileiro, negar à prescrição a característica extintiva da pretensão. De certo modo, restou absorvido o ensinamento do Ministro Luiz Fux ao afirmar, em reiterada posição minoritária junto ao STJ, que a prescrição torna o crédito inexigível, fazendo surgir a falta de interesse processual superveniente, matéria que poderia ser conhecida sponte própria pelo Julgador.[7]
Adequando às relações jurídicas travadas com a Administração Pública o posicionamento majoritário hoje vigente, com fulcro nos dispositivos normativos de regência, pode-se afirmar que é prescricional o prazo para um dado servidor requerer a retificação do valor de determinada vantagem remuneratória deferida e paga a menor pelo Estado. Neste caso ter-se-á: a) a relação jurídico-funcional da qual decorre o dever do Poder Público pagar integralmente a vantagem remuneratória; b) a recusa por parte do Estado à prestação pecuniária tal como devida ao servidor (momento em que surge a pretensão: poder do servidor exigir da Administração a parcela remuneratória ilicitamente reduzida). Se o servidor permanecer inerte além do prazo fixado na legislação de regência, estará prescrita a sua pretensão.
Idêntica natureza prescricional tem o prazo para que a Administração Pública requeira o cumprimento de determinada obrigação contratual assumida por uma empresa que, após firmar contrato administrativo com o Estado, se recuse a cumprir a prestação a que se obrigara. Neste caso ter-se-á: a) a relação jurídico-contratual da qual decorre o dever da empresa contratada de realizar a prestação pactuada; b) a recusa por parte da firma em adimplir a obrigação devida ao Estado. Se a Administração permanecer inerte além do prazo fixado na legislação de regência, prescrita estará a sua pretensão.
Em ambos os casos não é o direito subjetivo (a vantagem remuneratória do servidor ou a obrigação contratual a que faz jus o Estado) que a inércia do credor faz desaparecer. A prescrição atinge o direito de exigir em juízo a prestação inadimplida (pretensão), o que pode ser reconhecido de ofício pelo juiz ou por provocação da parte interessada ou do Ministério Público, conforme determina a legislação processual.
Não importando se a Administração Pública encontra-se no pólo ativo ou passivo da relação jurídica, fundamental é que se tenha evidenciado o direito de uma parte de ver cumprida determinada obrigação pela outra parte da relação. No momento seguinte ao do inadimplemento, pelo devedor, em face do credor, começa a correr o prazo prescricional previsto no ordenamento. Findo o referido prazo, prescrito estará o poder de o credor exigir o cumprimento do direito subjetivo violado. Não obstante, considerando-se que não há perecimento do direito, se ocorrer o adimplemento espontâneo pelo devedor após ultrapassado o prazo prescricional, não se lhe reconhece o direito de exigir a restituição do valor pago voluntariamente, embora prescrito o dever.
Os pressupostos do instituto da prescrição, também no âmbito do Direito Administrativo, podem, destarte, ser assim resumidos: “Para que se configure a prescrição é preciso que se reúnam os seguintes elementos: a) um direito subjetivo lesado, do que necessariamente nasce uma pretensão de ressarcimento; b) a não-exigência do cumprimento do respectivo dever, ou do ressarcimento do dano; c) o decurso do prazo que a lei prefixa.”[8]
4. Decadência
No cotidiano das relações jurídicas, é possível não se estar diante de um direito subjetivo a ser exercido em face da outra parte de uma dada relação jurídica, mas, ao contrário, de uma potestade reconhecida pelo ordenamento para o exercício unilateral do seu titular. Trata-se dos chamados direitos potestativos. Destes não nascem pretensões, porquanto os mesmos não implicam prerrogativas a serem exigidas de terceiros em razão de suposta violação. Assevera Francisco Amaral que “O direito potestativo é o poder que o agente tem de influir na esfera jurídica de outrem, constituindo, modificando ou extinguindo uma situação subjetiva sem que esta possa fazer alguma coisa se não sujeitar-se”, ao que acresce que
“(… ) como o direito potestativo é o dever de determinar mudanças na situação jurídica de outro sujeito, mediante ato unilateral, sem que haja dever contraposto e correspondente a esse poder, chama-se, também, direito formativo ou de formação. O lado passivo da relação jurídica limita-se a sujeitar-se ao exercício de vontade da outra parte. E não havendo dever, não há o seu descumprimento, não há lesão. Conseqüentemente não há pretensão.”[9]
Nas relações jurídico-administrativas, comumente não se reconhece àquele que se relaciona com o Estado (cidadãos, concessionários, servidores, etc.) o poder de, unilateralmente e sem a intervenção do Judiciário, constituir obrigações ou exercer prerrogativas em face da Administração Pública. No entanto, reconhece-se normalmente ao Estado o chamado poder extroverso, que permite ao Poder Público editar provimentos que vão além da esfera jurídica do sujeito emitente. É a supremacia do interesse público que legitima à Administração interferir na esfera jurídica de outras pessoas, constituindo-as unilateralmente em obrigações, sem a necessidade de intervenção preliminar autorizativa do Judiciário. É certo que os atos administrativos caracterizam-se pelo atributo da imperatividade e ao Estado se defere poder de império a ser exercido nos limites principiológicos e legais do ordenamento.
Por conseguinte, denota-se que é o Estado quem, em regra, tem a si reconhecidos direitos potestativos em face de terceiros (cidadãos, servidores, concessionários, etc.). Com efeito, ao Estado cabe o exercício unilateral do poder de polícia, a revisão de atos administrativos viciados, a aplicação de penalidades aos servidores ou aos contratados infratores, dentre outras prerrogativas deferidas pelo ordenamento para exercício unilateral pela Administração. Em nenhuma destas circunstâncias tem-se direitos para cujo exercício o Poder Público dependa do terceiro. Ao contrário, trata-se de dever-poder a ser cumprido unilateralmente pelo Estado. Mesmo considerando-se a garantia constitucional da ampla defesa antes de ultimado o comportamento administrativo, certo é que não é necessário que a Administração peça à empresa submetida à polícia administrativa para fiscalizá-la, nem que solicite ao cidadão autorização para que decrete a nulidade de um ato administrativo com vício insanável, nem que obtenha do servidor autorização para demiti-lo ou da empresa contratada autorização para declará-la inidônea. O Estado tem o direito potestativo de exercer tais competências e sequer a ampla defesa prevista na Constituição da República consubstancia fato capaz de afetar tal circunstância.
Nestes casos, a Administração limita-se a, cumpridas algumas exigências, exercer um direito potestativo que lhe é reconhecido pela ordem jurídica no prazo previsto na regra legal vigente. Segundo o civilista Francisco Amaral, “como o direito potestativo é o dever de determinar mudanças na situação jurídica de outro sujeito, mediante ato unilateral, sem que haja dever contraposto e correspondente a esse poder, chama-se, também, direito formativo ou de formação”.[10]
Vislumbram-se como direitos potestativos que o ordenamento jurídico reconhece a terceiros em face da Administração as prerrogativas recursais na via administrativa, bem como o acesso ao Poder Judiciário por meio, v.g., de ações constitucionais. O direito de um cidadão interpor o recurso da reclamação na via administrativa, p. ex., consubstancia ato unilateral do interessado em impugnar a decisão estatal que não depende de autorização do Poder Público. O mesmo pode-se afirmar do direito de impetrar mandado de segurança diante de ofensa a direito liquido e certo, por abuso de poder administrativo. Não se ignora que ambas as medidas (reclamação ou mandado de segurança) veiculam, no mérito, pretensões decorrentes de violações, pela Administração, a determinados direitos subjetivos do cidadão. Contudo, a medida processual administrativa (reclamação) ou judicial (mandado de segurança), no tocante à sua interposição, consubstancia direito potestativo a ser exercido pelo cidadão.
Cumpre considerar que, nestas condições, o lado passivo da relação jurídica limita-se a se sujeitar ao exercício de vontade da outra parte. Cabe à Administração submeter-se à reclamação ou ao mandado de segurança impetrado, apreciando-lhe as razões ou prestando informações, respectivamente. Afigura-se despicienda qualquer concordância preliminar, por parte do Poder Público, no tocante à adoção de quaisquer das medidas. Destarte, o prazo previsto no ordenamento para interposição de reclamação ou de mandado de segurança tem evidente natureza decadencial.
No caso do exercício da autotutela administrativa, p. ex., tem-se direito potestativo do Estado. Restará aos terceiros (servidores, particulares, etc.) apenas a sujeição ao exercício do poder-dever da Administração de manter a juridicidade. Não há pretensão, sendo inadmissível falar-se em prescrição. Tem-se, aqui, prazos de decadência previstos na ordem jurídica. Assim já vem reconhecendo a jurisprudência.[11]
Ensina o processualista mineiro Humberto Theodoro:
“Sempre que a parte não tiver pretensão a exercer contra o demandado (porque este não tem obrigação de realizar qualquer prestação em favor do autor), o caso não será de prescrição, mas de decadência. É o que se passa com as ações constitutivas e declaratórias, porque nas primeiras se exerce um direito potestativo, e nas últimas, apenas se busca a certeza acerca da existência ou inexistência de uma relação jurídica. Vale dizer: em nenhuma delas o autor reclama prestação (ação ou omissão) do réu, não havendo pretensão para justificar a prescrição.”[12]
A decadência, assim, “é a perda do direito potestativo pela inércia do seu titular no período determinado em lei”, sendo certo que “Seu objeto são os direitos potestativos, de qualquer espécie, disponíveis e indisponíveis, direitos que conferem ao respectivo titular o poder de influir ou determinar mudanças na esfera jurídica de outrem, por ato unilateral, sem que haja dever correspondente, apenas uma sujeição.”[13]Nas palavras de Almiro do Couto e Silva, “É bem sabido que a decadência atinge o direito subjetivo e que a prescrição diz respeito à pretensão”, sendo certo, no tocante aos direitos potestativos, sujeitos aos prazos decadenciais, que “Quem esteja no lado passivo fica, porém, sujeito ou exposto a que, pelo exercício do direito pela outra parte, nasça, se modifique ou se extinga direito, conforme o direito formativo seja gerador, modificativo ou extintivo.”[14]
No Direito Administrativo Brasileiro, não são frequentes os dispositivos que fixam, de modo absoluto, prazos para a Administração exercer os direitos potestativos que lhe foram deferidos pelo ordenamento em razão da supremacia do interesse público. Em outras palavras, tradicionalmente, são pouco comuns os dispositivos legais que estabelecem prazos decadenciais para o Estado exercer as competências previstas na ordem jurídica. Contudo, cada vez mais diplomas legais estabelecem lapsos temporais máximos para o exercício unilateral de prerrogativas públicas. Tem-se reconhecido válida, também no Direito Público, a advertência feita no âmbito do Direito Privado:
“Tal como se passa com os direitos à prestação, a lei reconhece que a duração perpétua da sujeição à vontade do titular do direito potestativo, ou, pelo menos de certos direitos potestativos, gera uma intranquilidade, que, conforme sua intensidade reflete sobre interesses de toda a coletividade, ou de parte dela, ‘criando uma situação de intranqüilidade de âmbito mais geral’. Daí o estabelecimento – a exemplo do que se passa com as pretensões tuteladas pela ação condenatória –, de um prazo também ‘para o exercício de alguns (apenas alguns) dos mencionados direitos potestativos cuja falta do exercício concorre de forma mais acentuada para perturbar a paz social’.”[15]
Ultrapassado o prazo fixado para o exercício do direito potestativo, tem-se que o próprio direito perece, pois atingido na essência. Nesta linha de raciocínio, Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald definem que “a decadência é a perda do próprio direito (potestativo) pelo seu não exercício em determinado prazo, quando a lei estabelecer lapso temporal para tanto.”[16] Malgrado tenha sustentação doutrinária, inclusive no Direito Administrativo[17], dos aspectos conceituais analisados, há mais de uma década, os Tribunais Superiores apenas recentemente incorporaram referida compreensão:
“2. Em razão da natureza do direito tutelado ser potestativo, o prazo de dez anos para se revisar o ato de concessão é decadencial.”[18]
“1. O direito potestativo outorgado à Administração Pública para anulação de seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais (Súmulas nºs 346 e 473, ambas desta Corte), expressão do poder de autotutela, não está regulado pelo instituto da prescrição, mas, sim, pelo da decadência, inocorrente na espécie.”[19]
5. Conclusão
Infere-se, nesta medida, que a prescrição, no Direito Público, é a perda da pretensão de uma das partes da relação jurídico-administrativa, decorrente da sua inércia em, no prazo fixado no ordenamento, exigir a reparação do direito subjetivo violado pelo devedor. Já a decadência é a perda do prazo fixado na ordem jurídica para o exercício do direito potestativo lhe reconhecido em razão da supremacia do interesse público, o que implica perecimento do próprio direito.
Fixadas tais premissas, é necessário identificar no ordenamento de regência quais dispositivos estabelecem prazos para exercício de pretensões em razão de violações de direitos subjetivos decorrentes das relações jurídicas pelos mesmos estabelecidas com terceiros e quais regras estabelecem os lapsos temporais para o exercício dos direitos potestativos da Administração e daqueles excepcionalmente reconhecidos em face do Poder Público. Mas uma análise que enfrente tal desafio é tema para o próximo artigo. Aguardem!
[1] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Distinção científica entre prescrição e decadência: um tributo à obra de Agnelo Amorin Filho. Revista dos Tribunais, v. 94, n. 836, p. 50, jun. 2005.
[2] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Alguns aspectos relevantes da prescrição no Novo Código Civil, O Sino do Samuel, p. 5-6, mai. 2003.
Na mesma linha de raciocínio, asseveram Gustavo Tepedino, Heloisa Helena Barboza e Maria Celina Bodin de Moraes: “O art. 189 incorpora ao direito pátrio a teoria de que a prescrição extingue a pretensão, conforme disposto no § 194 do BGB, preservando-se assim o direito, que poderá ser satisfeito mediante prestação espontânea pela parte beneficiada com a prescrição. (…) Sendo assim, a redação do art. 189 explicita que, para a ocorrência da prescrição, deverá existir um direito e que, em sendo ele violado, surgirá uma pretensão para o seu titular, a qual, não sendo exercida dentro de um prazo determinado, desencadeará o fenômeno da prescrição.” (TEPEDINO, Gustavo. Código Civil interpretado conforme a Constituição da República. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. v. 1. p. 350)
Em excelente artigo sobre a matéria Roberto Wagner Marquesi, analisa o enquadramento dos conceitos no Código Civil, distinguindo-os e concluindo: “O Código Civil Brasileiro, na sistematização dedicada à prescrição e decadência, destaca-se entre seus iguais estrangeiros por ser o espelho do pensamento jurisprudencial e doutrinário acerca do tema, que vem amadurecendo no país desde os anos sessenta ao menos. Achar-se avançado em relação aos diplomas estrangeiros talvez se deva ao fato de ser o único código ocidental promulgado no século atual, enquanto os diplomas argentino, chileno e espanhol foram editados no Século XIX, os códigos principais códigos europeus datam de 1886 (alemão), 1942 (italiano) e 1966 (português).” (MARQUESI, Roberto Wagner. Prescrição e Decadência: traços distintivos e aspectos controvertidos no Código Civil. Revista do Direito Privado da UEL, v.1, n. 3. Disponível em www.uel.br › revistas › direitoprivado › artigos › Marquesi_Prescrição_e_Decadência. Acesso em 30.08.2019)
[3] AMARAL, Francisco. Direito civil: introdução. 5. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 575.
[4] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Distinção científica entre prescrição e decadência: um tributo à obra de Agnelo Amorin Filho. Revista dos Tribunais, v. 836, p. 51 e 53.
[5] RABELLO, Bruno. Prescrição intercorrente: uma releitura. Dissertação de mestrado. Faculdade de Direito da UFMG. Defesa em 22.02.06. Orientador: Prof. João Baptista Villela. Trabalho ainda não publicado e gentilmente cedido pelo autor em arquivo digital.
[6] RABELLO, Bruno. Prescrição intercorrente: uma releitura. Dissertação de mestrado. Faculdade de Direito da UFMG. Defesa em 22.02.06. Orientador: Prof. João Baptista Villela. Trabalho ainda não publicado e gentilmente cedido pelo autor em arquivo digital.
[7] Ag. Regimental no Ag. Regimental no Agravo de Instrumento n° 756.818-RS, rel. Min. Luiz Fux, 1a Turma do STJ, DJU de 30.11.2006, p. 155 e Ag. Regimental no REsp n° 756.739-SP, rel. Min. Luiz Fux, 1a Turma do STJ, DJU de 13.02.2006, p. 705.
[8] AMARAL, Francisco. Direito civil: introdução. 5. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 578.
[9] AMARAL, Francisco. Direito civil: introdução. 5. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 576.
[10]AMARAL, Francisco. Direito civil: introdução. 5. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 576.
[11] Apelação Cível 0990041-16.2009.8.13.0040, rel. Des. Oliveira Firmo, 7ª Câmara Cível do TJMG, DJMG de 29.06.2012; Apelação Cível nº 1.0079.07.379306-3, rel. Des. Mauro Soares de Freitas, 5ª Câmara Cível do TJMG, DJMG de 14.02.2012
[12] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Alguns aspectos relevantes da prescrição no novo Código Civil. O Sino do Samuel, p. 5-6, mai. 2003.
[13] AMARAL, Francisco. Direito civil: introdução. 5. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 579.
[14] SILVA, Almiro do Couto e. O princípio da segurança jurídica (proteção à confiança) no direito público brasileiro e o direito da administração pública de anular seus próprios atos administrativos: o prazo decadencial do art. 54 da lei de processo administrativo da união (lei n° 9.784/99). Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, Renovar, n. 237, p. 291-292, jul./set. 2004.
[15] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Distinção científica entre prescrição e decadência: um tributo à obra de Agnelo Amorin Filho, Revista dos Tribunais, v. 836, p. 53.
[16] ROSENVALD, Nelson e FARIAS, Cristiano Chaves de. Direito civil: teoria geral. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 522.
[17] O Curso de Direito Administrativo, com capítulo específico sobre a matéria, foi publicado no ano de 2008, com segunda edição no ano de 2009: CARVALHO, Raquel Melo Urbano de. Curso de Direito Administrativo: Parte Geral, Intervenção do Estado e Estrutura da Administração. Salvador: Juspodivm, 2008.
No mesmo sentido: REsp nº 1.631.021-PR – recurso repetitivo, rel. Min. Mauro Campbell Marques, 1ª Seção do STJ, DJe de 13.03.2019
[18] REsp nº 1.612.818-PR – recurso repetitivo, rel. Min. Mauro Campbell Marques, 1ª Seção do STJ, DJe de 13.03.2019.
No mesmo sentido: REsp nº 1.631.021-PR – recurso repetitivo, rel. Min. Mauro Campbell Marques, 1ª Seção do STJ, DJe de 13.03.2019
[19] Agravo Regimental no MS nº 26.864-DF, rel. Min. Rosa Weber, 1ª Turma do STF, DJe de 13.12.2017