Tem sido objeto de significativas discussões a exigência, para fins de habilitação nos certames licitatórios, de declaração de reserva de vagas para deficientes e reabilitados da Previdência Social. Nas licitações realizadas sob a “nova” Lei Federal 14.133, certidões negativas de tal reserva de vagas têm sido apresentadas por empresas licitantes. Em algumas situações, licitantes juntam até mesmo documentação relativa a termo de ajustamento de conduta firmado com o MPT, o que demonstra o não atendimento do requisito previsto no inciso IV do artigo 63 da LLCA.
A viabilidade de a licitação ser instrumento de realizar políticas públicas inclusivas, muito além da simples obtenção da proposta de valor mais reduzido, é manifesta. A legitimidade do uso do poder de compra do Estado para promover ações afirmativas, principalmente quando se trata de pessoas portadoras de deficiência com dificuldade de acesso ao mercado de trabalho, já é matéria pacífica no ordenamento brasileiro. O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Recurso em Mandado de Segurança nº 26.071, asseverou “que reparar ou compensar os fatores de desigualdade factual com medidas de superioridade jurídica configuraria política de ação afirmativa que se inscreve nos quadros de uma sociedade fraterna que a Constituição idealiza a partir das disposições de seu preâmbulo e acrescentou-se a esses fundamentos o valor social do trabalho.”[1] Trata-se de ação preventiva, adotada por instituições públicas e privadas, baseada numa análise que indique uma situação social desfavorável de determinado grupo.[2] Como observa Marçal Justen Filho, é preciso redimensionar o objetivo das contratações públicas e as suas finalidades, conforme as regras da Lei Federal nº 14.133/2021.[3]
Segundo Tatiana Camarão, em face da LLCA, “A utilização do poder de compra decorrente das contratações públicas como instrumento de contribuição para a sociedade e o desenvolvimento econômico é medida louvável.” Invocando o magistério atualizado, lembra a competência do Poder Público induzir práticas social, ambiental e economicamente desejáveis, visto que consiste em importante compradora, usuária e consumidora de recursos, cria demanda, viabilizando investimentos privados na direção desejada e detém um significativo poder multiplicador, em razão da visibilidade das suas ações.[4] É Juliano Heinen quem conclui que “a licitação deixa de ser uma atividade-meio do Estado, para ser considerada uma função do Estado, servindo para atingir os fins constitucionalmente definidos. Logo, a licitação acaba também por se tornar uma atividade-fim do Poder Público, com mister à proteção do meio ambiente, ao desenvolvimento nacional sustentável, à troca de tecnologias etc.”[5]
Ao comentar o novo Estatuto, doutrinadores explicam a inclusão do procedimento licitatório como mecanismo de política pública destinada a reduzir o quadro de desigualdade e vulnerabilidade de categorias específicas como os portadores de deficiência. Segundo Rafael Carvalho Rezende Oliveira,
O tratamento favorável às empresas que comprovem o cumprimento de reserva de empregos, prevista em lei, para pessoa com deficiência ou para reabilitado da Previdência Social, bem como que atendam às regras de acessibilidade previstas na legislação, encontra respaldo constitucional (arts. 1º, III, e 23, II, da CR/88) e cumpre valores constitucionais sensíveis (interesse público primário) ao relativizar, de forma proporcional, a economicidade (interesse público secundário) das contratações públicas.[6]
Já Gisella Leitão pontua a relevância de alguns pontos, em se tratando de ações afirmativas dessa natureza:
O segundo ponto que merece destaque é a obrigatoriedade da sua aplicação às aquisições públicas que ensejam a necessidade de contratação de mão de obra. Ao contrário do que dispôs o artigo 25, parágrafo 9º da Lei nº14.133/2021, a norma regulamentadora estabeleceu a obrigatoriedade de que os gestores públicos, ao entenderem pela realização de uma contratação que envolve a utilização de mão de obra, empreguem a política da reserva de vagas. (…)
A norma regulamentadora, portanto, de maneira acertada, afastou o risco de não concretização da ação afirmativa ao retirar da avaliação da conveniência e de oportunidade ao impor a obrigatoriedade de fixação de reserva de vagas de mão de obra.”[7]
Se a doutrina clássica reconhecia que a função primordial da licitação era viabilizar ao Estado firmar o negócio mais vantajoso e garantir o tratamento isonômico dos interessados em disputar o objeto durante o procedimento seletivo[8], tem-se clara a evolução no citado entendimento. Além de atribuir ao instituto licitatório o espaço de concreção da moralidade administrativa e da impessoalidade[9], bem como resguardar a eficiência, outros objetivos foram expressamente atrelados à licitação. Muito mais que reestruturar a ideia de vantajosidade para além da menor onerosidade (incorporando a demanda de qualidade da contratação), tornou-se definitiva a visão sistêmica da contratação administrativa em face da multiplicidade de fins que o Estado persegue, no cumprimento das suas diversas competências. Daí a razoabilidade de se instituir a licitação e as contratações públicas também como espaço de realização de ações afirmativas.
Ao comentar a Lei Federal nº 14.133/2021, a moderna doutrina aquiesce com a ideia de um instrumento que concretiza a função regulatória das licitações, implantando-se políticas públicas mediante contratos administrativos:
“Trata-se de previsão relacionada à função regulatória da licitação, utilizada como instrumento de promoção de valores sociais. Desse modo, a licitação não se presta, tão somente, para que a Administração realize a contratação de bens e serviços a um menor custo; o referido instituto tem espectro mais abrangente, servindo como instrumento para o atendimento de finalidades públicas outras, consagradas constitucionalmente.[10]
Com a publicação e vigência da Lei Federal nº 14.133, seu artigo 63 trouxe a exigência da apresentação, na fase de habilitação, de declaração quanto ao cumprimento das exigências de reserva de cargos para pessoa com deficiência e para reabilitado da Previdência Social:
Art. 63. Na fase de habilitação das licitações serão observadas as seguintes disposições: (…)
IV – será exigida do licitante declaração de que cumpre as exigências de reserva de cargos para pessoa com deficiência e para reabilitado da Previdência Social, previstas em lei e em outras normas específicas.
Trata-se de dispositivo que estabelece a reserva de vagas para deficientes e cuja operacionalidade vincula-se ao disposto na Lei Federal nº 8.213/91, que dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências. O art. 93 do citado diploma assim dispõe sobre a reserva de cargos:
Art. 93. A empresa com 100 (cem) ou mais empregados está obrigada a preencher de 2% (dois por cento) a 5% (cinco por cento) dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência, habilitadas, na seguinte proporção:
I – até 200 empregados……………………………………………………………….2%;
II – de 201 a 500………………………………………………………………………..3%;
III – de 501 a 1.000…………………………………………………………………….4%;
IV – de 1.001 em diante. …………………………………………………………….5%.
Resulta dos dispositivos transcritos ser obrigatório que a Administração, quando licite, requeira dos licitantes declaração do cumprimento da reserva de vagas conforme a legislação vigente, ou seja, observando os percentuais que variam de 2% a 5% dos seus cargos. Por se tratar de matéria relativa à exigência de habilitação, sem qualquer especificidade local que exclua competência federal para editar norma geral sobre aspecto basilar de etapa fundamental da licitação, tem-se a incidência obrigatória da exigência em todos os níveis federativos, inclusive em face do Estado de Minas Gerais.
Não se ignora que o art. 92, XVII da Lei Federal nº 14.133/2021 também exige como cláusula do contrato a ser firmado o cumprimento da reserva de vagas, especificamente para pessoas com deficiência[11]. À obviedade, tal dispositivo não tem relação com se admitir, ou não, licitante em um certame, mas em exigir do vencedor, em sede contratual, que cumpra a reserva de vagas durante a execução do objeto. O fato de a Lei nº 14.133, além de prescrever como etapa habilitatória na licitação, impor como cláusula obrigatória contratual que a empresa mantenha reserva de cargos durante a execução do objeto evidencia, com clareza, a escolha legislativa de veicular a ação afirmativa em favor das pessoas portadoras de deficiência e reabilitados da Previdência. Desde a participação no certame até a execução do objeto, o requisito é o cumprimento da medida inclusiva no mercado de trabalho, o que se reforça pelas regras dos artigos 45, VI e 24, XX da LLCA.
Em questão, está a repercussão do artigo 63, IV do Estatuto Licitatório na fase de habilitação do certame, mediante análise da declaração de cumprimento da exigência de reserva de cargos para pessoa com deficiência e reabilitado da Previdência Social. Trata-se da chamada “habilitação social” como qualificado pela melhor doutrina:
A habilitação social (…)
Deve-se ter em vista que o art. 63 trata da habilitação. A exigência prevista no inc. IV, acima reproduzida, não foi reiterada em nenhum outro dispositivo. A consagração adotada no art. 63 da Lei 14.133/2021 não pode ser ignorada, eis que implica a sua configuração como um requisito de habilitação. A natureza da exigência induz a sua inclusão no âmbito da habilitação social. [12]
É necessário que a Administração Pública, ao fixar a regra no edital, atenda à determinação da norma geral que, no artigo 63, IV da Lei Federal nº 14.133/2021, impondo a exigência de cumprimento da reserva de vagas.
Além da constitucionalidade da previsão no Estatuto Licitatório, em face dos artigos 22, XXVII e 37, XXI da CR, bem como princípio constitucional da isonomia e demais valores constitucionais (v.g., art. 1º, III da CR), ter-se-á a legalidade da previsão editalícia, concretizadora da regra prevista no inciso IV do artigo 63 da LLCA. Sobre a repercussão desse preceito, tem-se sólida orientação doutrinária:
Inicialmente, é preciso destacar que a nova Lei de Licitações transformou em exigência de habilitação (art. 63, IV, da Lei 14.133/2021) a tradicional margem de preferência em favor das empresas que comprovem cumprimento de reserva de cargos prevista em lei para pessoa com deficiência ou para reabilitado da Previdência Social e que atendam às regras de acessibilidade previstas na legislação (art. 3º, § 5º, II, da Lei 8.666/1993).
Assim, as empresas que não cumprirem a reserva de cargos para pessoas com deficiência ou reabilitadas da Previdência Social, na forma da legislação em vigor, não poderão ser contratadas pela Administração Pública.[13]
A controvérsia cabível se dá quando se analisa o cumprimento, ou não, da exigência legal e editalícia por empresas licitantes.
É procedimento habitual que as empresas licitantes assinalem positivamente no campo próprio do Portal que cumprem as exigências de reserva de cargos para pessoa com deficiência e para reabilitado da Previdência Social. Posteriormente, se são apresentadas certidões do Ministério do Trabalho atestando que a empresa apresentava em seus quadros um número inferior de pessoas com deficiência e reabilitados da Previdência Social em face do exigido pelo artigo 93 da Lei Federal nº 8.213/91, tem-se instaurada a controvérsia. Afinal, a empresa declarou que promovera a reserva de vagas para deficientes, mas ocorreu a superveniência de evidência em sentido contrário.
O primeiro aspecto a se considerar é a viabilidade de a Administração Pública estadual considerar verdadeira a autodeclaração inicialmente feita pelas licitantes, considerando-as em princípio habilitadas no certame.
A esse respeito, cabe pontuar que se admite nos procedimentos administrativos contemporâneos (de concursos públicos a licitações) exigir declaração de cumprimento de determinado requisito legal pelos interessados e, com base nos princípios da boa-fé e da lealdade processual, presumir a veracidade do seu conteúdo. Destarte, nenhuma ilicitude se vislumbra no procedimento abstratamente previsto no edital, o que enseja o juízo subsequente de habilitação. Nas relações jurídicas de direito público, ausente indícios em sentido contrário, não há vício em presumir a boa-fé daquele que se relaciona com o Estado, assim como considerar preliminarmente a veracidade de apontamentos lançados em portais públicos ou autos digitais.
Isso não impede, à obviedade, que surjam elementos indicativos em sentido contrário à presunção ultimada. Afinal, considerando que é preciso assegurar a legalidade administrativa e isso requer que o motivo do ato administrativo seja verdadeiro, é cabível deflagrar o controle, pela própria Administração, de correção jurídica do entendimento estatal. Isso pode se dar a partir da interposição de recurso administrativo em processo licitatório, no bojo do qual se argumente no sentido da inveracidade de declaração utilizada para considerar presumidamente comprovado requisito legal obrigatório.
Em outras palavras: presumir verdadeira a declaração em um dado portal ou sistema no sentido de que a reserva de vagas para pessoas com deficiência e reabilitados da Previdência Social está cumprida não impede que se deflagre o controle administrativo de legalidade dessa condição habilitatória imposta pela Lei Federal nº 14.133/2021. Tem-se como cabível que uma empresa apresente documentação em sentido contrário à presunção decorrente da autodeclaração por outras licitantes.
Diante do conflito de interesses, o princípio da realidade e a exigência de verdade material do conteúdo dos atos administrativos devem ser considerados na definição do comportamento do Estado. Ao Poder Público cabe ensejar oportunidade de o licitante interessado demonstrar que eventual desatendimento do mínimo de reserva legal ocorreu a despeito dos esforços ultimados em preencher as vagas.
Dois aspectos afiguram-se relevantes nesse contexto: a) o primeiro refere-se à hipótese, em abstrato, de a eventual dificuldade em contratar trabalhadores com deficiência ou reabilitados da Previdência ser, ou não, circunstância capaz de afastar a consequência da inabilitação de empresa licitante; b) em caso positivo, o segundo aspecto enseja definir, nesta hipótese específica, qual o trâmite procedimental a ser adotado pelo Estado: se abrindo oportunidade de produção de provas para fins de apuração dos fatos ou se já considerando estar suficientemente evidenciado o contexto fático apto a justificar a habilitação, ou não, das empresas.
Sobre o tema, o Tribunal Superior do Trabalho já se posicionou analisando o poder sancionador do Estado quando inobservada a reserva de empregos, reconhecendo o ônus da empresa no cumprimento das exigências da Lei 8.213/91 e afastando a responsabilidade da empregadora pelo insucesso em contratar pessoas com deficiência:
“Esta Corte já se posicionou no sentido de reconhecer o ônus da empregadora pelo cumprimento das exigências do art. 93 da Lei 8.213/91, mas de afastar sua responsabilidade pelo insucesso em contratar pessoas com deficiência, em razão dos esforços comprovadamente empenhados.” (TST – RR: 1002364-57.2016.5.02.0204)
No âmbito da Justiça do Trabalho, existem diversas outras decisões, no mesmo sentido:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. VAGAS DESTINADAS A PESSOAS PORTADORAS DE DEFICIÊNCIA. PREENCHIMENTO. ART. 93 DA LEI 8.213/91. MULTA. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL COLETIVO. ABSOLVIÇÃO 2.1. Conquanto seja ônus da empregadora cumprir a exigência prevista no art. 93 da Lei 8.213/91, ela não pode ser responsabilizada pelo insucesso, quando comprovado que desenvolveu esforços para preencher a cota mínima, sendo indevida a multa, bem como a condenação no pagamento de indenização por dano moral coletivo. 2.2. A empresa com 100 ou mais empregados deverá preencher de 2% a 5% de seus cargos com “beneficiários reabilitados” ou com pessoas portadoras de deficiência. Entretanto, “in casu”, é descabida a condenação ao pagamento de multa e indenização por dano moral coletivo em face do não cumprimento da exigência prevista no art. 93 da Lei 8.213/91, uma vez que ficou comprovado que a empresa empreendeu esforços a fim de preencher o percentual legal de vagas. Recurso de Embargos de que se conhece e a que se dá provimento para totalmente improcedente os pedidos formulados na Ação Civil Pública. (ED-E-ED-RR658200-89.2009.5.09.0670, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Relator Ministro Joao Batista Brito Pereira, DEJT 19/12/2016). [14]
A jurisprudência trabalhista, específica para o poder sancionador do Estado nessa seara e vinculada às especificidades das relações de emprego regidas pela CLT, não incide diretamente na interpretação do Estatuto Licitatório veiculador de medida política de ação afirmativa. Também o entendimento exarado em sede de parecer pela advocacia pública federal não vincula automaticamente os Estados e os Municípios, tendo em vista a independência político-administrativa dos entes federativos e os limites das competências previstas na Constituição da República.
Isso não impede, entretanto, que se considere, no âmbito estadual, distrital e municipal, que um dos condicionantes de qualquer exigência apresentada em face de terceiros é a possibilidade fática da sua realização. Afinal, a inexequibilidade de uma medida caracteriza impossibilidade fática não só para a Administração Pública, mas também para aquele que se relaciona com ela. Se o Poder Público não pode ser obrigado a realizar algo que não é viável (teoria da reserva do possível), também cidadãos e empresas não podem ser obrigados a cumprir uma exigência empiricamente impossível. Essa é uma premissa de direito administrativo que, como aspecto da teoria geral, vincula os certames licitatórios. As referências trabalhistas e da AGU funcionam como elementos que reforçam essa premissa, qualificando-se apenas como boa prática o parecer federal.
Sendo assim, a eventual impossibilidade de contratar pessoas com deficiência ou reabilitados da Previdência em número suficiente para atender o percentual legal de reserva de empregos pode consubstanciar sim, em abstrato, fato apto a excluir a inabilitação de empresa licitante. Daí a pertinência de, em princípio e abstratamente, ser correto ensejar produção de prova, no cumprimento das garantias constitucionais da ampla defesa e do contraditório (artigo 5º, LV).
O que se impõe discutir, em cada caso, é se as empresas demonstraram, de modo suficiente, o esforço ultimado no sentido de contratar pessoas deficientes e reabilitados pela Previdência Social, de modo a que se tenha um juízo administrativo seguro que permita excluir a inabilitação ou, ao contrário, que já se tenha um contexto fático coeso que fundamente a inabilitação.
É indispensável que se vislumbrem, em cada situação, elementos que sirvam de suporte probatórios das alegações das empresas cuja ausência de reserva de vagas se discute.
Estando ausente contexto probatório suficiente que permita um juízo administrativo final sobre a existência de fato apto a excluir a inabilitação, é preciso que o Poder Público alcance a necessária segurança jurídica. Referido contexto indica a pertinência de se ensejar às empresas interessadas a oportunidade de produzir provas sobre os fatos alegados, principalmente com a finalidade de concretizar as máximas da ampla defesa e do contraditório.
Sempre que não houver na legislação específica de direito administrativo regra específica fixando de quem é o ônus de realizar uma prova necessária ao juízo do Estado (exatamente como não há na Lei Federal nº 14.133 quanto ao artigo 63, IV), incide a regra do artigo 15 do CPC, segundo a qual incidem as normas de direito processual civil supletiva e subsidiariamente. Daí a incidência da distribuição dinâmica do ônus da prova prevista nos arts. 373, §§ 1º e 2º do CPC, segundo a qual quem tem maior facilidade de obtenção da prova do fato deve assumir o ônus de trazer os elementos aos autos, atentando-se às peculiaridades das circunstâncias que precisam ser demonstradas (no mesmo sentido, art. 818, § 1º da CLT).
É improvável que o Poder Público licitante tenha acesso aos esforços despendidos pelas empresas, antes de apresentarem sua declaração no certame licitatório, relativos ao cumprimento da reserva de empregos para pessoas deficientes e reabilitadas da Previdência Social. Afinal, cabe às próprias empresas o registro de todas as suas contratações laborais, com a delimitação daqueles funcionários com deficiência ou reabilitados, bem como evidenciar os procedimentos inclusivos que realizou. São, pois, as empresas que possuem a documentação e elementos que podem provar as providências possíveis e tomadas, e que, ainda assim, não conseguiram justificadamente atender o percentual legal. Não cabe falar no pregoeiro abrir diligência com base no art. 64, I da Lei Federal nº 14.133/21 e ele próprio tentar buscar a mencionada prova, tendo em vista que o ônus incide sobre as empresas licitantes, conforme demonstrado.
Por conseguinte, entende-se prudente, para fins de garantir a juridicidade da decisão administrativa e evitar controles jurisdicionais futuros que comprometam a eficácia do certame e contrato, que se abra às empresas interessadas oportunidade de produção de provas para fins de apuração dos fatos que justifiquem, ou não, a exclusão da inabilitação.
Registra-se que o parâmetro jurídico que incumbe ao assessoramento indicar é como assegurar a ampla defesa e o contraditório com o menor risco jurídico, reservada a competência decisória final à autoridade administrativa competente. A ela caberá examinar as provas trazidas aos autos, ponderando – inclusive em face do contexto já produzido – que há empresa no mercado cumpridora da exigência do inciso IV do artigo 63 da Lei Federal nº 14.133/2021.
Daí ser necessária cautela e atenção ao analisar a prova relativa a qualquer licitante que não cumpriu regra editalícia e legal, tendo em vista indício de viabilidade decorrente da situação funcional de empresa que atende o mesmo requisito.
O artigo 5º da Lei 14.133/21 expressa que, dentre os princípios a serem observados na aplicação do diploma, estão os princípios da legalidade e da vinculação ao edital:
Art. 5º Na aplicação desta Lei, serão observados os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade, da eficiência, do interesse público, da probidade administrativa, da igualdade, do planejamento, da transparência, da eficácia, da segregação de funções, da motivação, da vinculação ao edital, do julgamento objetivo, da segurança jurídica, da razoabilidade, da competitividade, da proporcionalidade, da celeridade, da economicidade e do desenvolvimento nacional sustentável, assim como as disposições do Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro). (grifo nosso)
A vinculação ao edital é de tanta importância, que consta do art. 92, II da Lei 14.133/21 a necessidade de previsão de cláusula que o estabeleça, senão vejamos:
Art. 92. São necessárias em todo contrato cláusulas que estabeleçam:
(…)
II – a vinculação ao edital de licitação e à proposta do licitante vencedor ou ao ato que tiver autorizado a contratação direta e à respectiva proposta;
O Tribunal de Contas da União, sob a égide do Estatuto anterior, já se posicionou:
“Observe com rigor os princípios básicos que norteiam a realização dos procedimentos licitatórios, especialmente o da vinculação ao instrumento convocatório e o do julgamento objetivo, previstos nos artigos 3º, 41, 44 e 45 da Lei nº 8.666/1993”. (Acórdão 483/2005 – Primeira Câmara do TCU)
Estando o edital em conformidade com a legislação em vigor e esta, por sua vez, estando conforme a Constituição, a Administração e os licitantes a ele se vinculam, em conformidade com o princípio da legalidade e da vinculação ao edital.
Como já se explicitou, deve constar do edital, em cumprimento ao art. 63, IV da Lei 14.133/21, a necessidade da juntada da declaração de que o licitante atende as exigências de reserva de empregos para pessoa com deficiência e reabilitado da Previdência Social. Uma vez oportunizada produção probatória que evidencie a veracidade e correção, ou não, das declarações apresentadas, tornar-se-á possível à Administração licitante concluir sobre a habilitação, ou não, das empresas interessadas na contratação.
Nos termos do Parecer da Procuradoria Geral do Município de São Paulo – PGM nº 12.336 de 12 de abril de 2024[1]:
(…)muitas vezes, como reconhecido pela Justiça do Trabalho, a depender do porte, da região, ou diversos outros fatores, as empresas realmente não conseguem cumprir a cota por motivos alheios a sua vontade, mesmo envidando todos os esforços neste sentido. Dessa forma, exigir de forma intransigente o cumprimento dessa regra pode gerar uma penalização indevida das empresas nessa situação e, mais que isso, pode restringir a competitividade das licitações, limitando demasiadamente o número de licitantes aptos a disputar as licitações.
Por outro lado, sabe-se que a Administração é submetida aos princípios da legalidade e à vinculação ao instrumento convocatório. Assim, se o legislador previu um novo requisito de habilitação nas licitações, a sua flexibilização desmedida poderia violar a legalidade e, ainda, tornar letra morta o dispositivo legal, ignorando a intenção do legislador de compelir as empresas a se adequarem às regras trabalhistas que visam ampliar a contratação de pessoas com deficiência e reabilitados da Previdência Social.
Ademais, ao impor uma regra no instrumento editalício, a Administração tem o dever de respeitá-la e exigir o seu cumprimento por todos os licitantes, sob pena de afronta à isonomia. Assim, a flexibilização a posteriori de uma regra prevista no Edital poderia suscitar dúvidas quanto à higidez do certame.
Para além disso, observa-se que a flexibilização da regra prevista no art. 93 da Lei 8.213/1991 demanda uma análise minuciosa das provas apresentadas pela empresa e um conhecimento técnico acerca das normas trabalhistas, a fim de verificar a suficiência das medidas adotadas por ela para o cumprimento da reserva legal, conforme se verifica nos julgados citados provenientes da Justiça do Trabalho.
(…)
A exigência é objetiva, e pode ter sido criada pelo legislador federal justamente para reforçar uma obrigação que não vinha sendo adequadamente cumprida. Ao inserir tal requisito de habilitação na legislação, não apenas o legislador certamente tinha ciência de que isso poderia restringir a competitividade do certame (com todas as consequências daí derivadas), como nos parece que foi, de fato, a intenção do legislador reduzir o universo de licitantes aptos a participar dos certames, privilegiando os que cumprem integralmente com a legislação. Assim como a atuação dos licitantes deve ser exemplar no que diz respeito ao pagamento dos tributos, também deve ser exemplar no que diz respeito ao cumprimento das cotas para PCD. Nesta ótica, não bastaria a mera tentativa de cumprimento, especialmente se no mesmo certame estiverem concorrendo empresas que cumprem integralmente a cota.
Por fim, não se ignora que, em alguns casos, as empresas firmam Termo de Ajustamento de Conduta com o Ministério Público do Trabalho, não sendo esse instrumento hábil a elidir o cumprimento das obrigações legais e do edital que condicionam a habilitação das empresas licitantes ao cumprimento do percentual de reserva de empregos para pessoas com deficiência e reabilitados da Previdência Social. Isso não só em razão da independência das instâncias, que afasta a repercussão do acordo firmado na esfera sancionadora do Ministério Público Federal (MPT) na seara licitatória (seletiva), mas no caso de licitações firmadas por Estados, Municípios e DF pela autonomia entre as diversas esferas federativas (artigos 1, 18, 25 e 30 da Constituição da República)
Termo de Ajustamento de Conduta (ou outro tipo acordo nominado com expressões congêneres) consiste na consensualização entre uma parte e o Ministério Público, ou outros órgãos públicos com competência fiscalizadora/punitiva, para resolver uma situação de ilegalidade e/ou reparar danos. Trata-se de um modo alternativo de encerrar determinados procedimentos, tendo como objetivo evitar ações judiciais (como, p. ex., ação de improbidade administrativa) ou mesmo longos trâmites na seara administrativa controladora e/ou punitiva. Seus efeitos não vão além daqueles que o celebram, respeitadas as competências das partes envolvidas, ausente efeito vinculante externos do que nele foi pactuado.
O Conselho Nacional do Ministério Público assim conceitua o Termo de Ajustamento de Conduta[1]:
O termo de ajustamento de conduta é um acordo que o Ministério Público celebra com o violador de determinado direito coletivo. Este instrumento tem a finalidade de impedir a continuidade da situação de ilegalidade, reparar o dano ao direito coletivo e evitar a ação judicial.
Isso ocorre, por exemplo, nos casos em que uma indústria polui o meio ambiente. Nesse caso, o Ministério Público pode propor que ela assine um termo de compromisso para deixar de poluir e reparar o dano já causado ao meio ambiente. Se a indústria não cumprir com seu compromisso, o Ministério Público pode ajuizar ações civis públicas para a efetivação das obrigações assumidas no acordo.
O termo de ajustamento de conduta está previsto no § 6º do art. 5º da Lei 7347/85 e no art. 14 da Recomendação do CNMP nº 16/10:
-
- 6° Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial.
Art. 14. O Ministério Público poderá firmar compromisso de ajustamento de conduta, nos casos previstos em lei, com o responsável pela ameaça ou lesão aos interesses ou direitos mencionados no artigo 1º desta Resolução, visando à reparação do dano, à adequação da conduta às exigências legais ou normativas e, ainda, à compensação e/ou à indenização pelos danos que não possam ser recuperados.
O fato de eventualmente haver consensualização que impeça punições – como aplicação de multa administrativa pelo MPT pela inobservância do art. 93 da Lei Federal nº 8.213 ou mesmo sanções por improbidade nos termos dos artigos 11, IX e 12 da Lei Federal nº 8.429 – não impedirá que outro ente federativo (Estado, Município ou DF), sujeito à determinação coercitiva do Estatuto veiculador de normas gerais de licitação, observe a obrigatoriedade do requisito de habilitação exigido pela Lei Federal nº 14.133/2021 (artigo 63, IV) e expresso no edital. Ao contrário, o Termo de Ajustamento de Conduta afigura-se potencialmente mais um indicativo de descumprimento da legislação, ao ponto de a empresa acordar com o Ministério Público que irá se adequar (o que significa que não estava adequada).
Não se exclui, contudo, a possibilidade de, eventualmente, empresa demonstrar fato impeditivo das consequências do não atendimento do percentual mínimo exigido (cota mínima), em relação ao número de pessoas com deficiência ou beneficiários reabilitados da Previdência Social, admitidos em seu quadro, por limitações que lhe são externas (do mercado disponível para contratação), tendo feito todos os esforços para o cumprimento legislativo. A pertinência de ensejar produção probatória decorre da necessidade de se ter segurança jurídica na contratação pública, ao que se acresce a seriedade da possibilidade de se enquadrar como declaração falsa a afirmação inicial de que atendiam os requisitos do artigo 63, IV da Lei Federal nº 14.133/2021 (operacionalizado pela exigência do art. 93 da Lei nº 8.213/1991).
Observação final: O presente artigo retrata as observações aduzidas originariamente na Nota Jurídica 97, de outubro de 2024, exarada pela AJUR da SubComp-SEPLAGMG.
[1] Confira-se, também, o entendimento do Ministro Celso de Mello: “sem se reconhecer a realidade de que a Constituição impõe ao Estado o dever de atribuir a todos os que se situam à margem do sistema de conquistas em nosso país a condição essencial de titulares do direito de serem reconhecidos como pessoas investidas de dignidade e merecedoras do respeito social, não se tornará possível construir a igualdade nem realizar a edificação de uma sociedade justa, fraterna e solidária, frustrando assim um dos objetivos fundamentais da República, a que alude o inciso I do artigo 3º da Carta Política” (Ag. Reg. no RMS nº 32.732-DF, rel. Min. Celso de Mello, 2ª Turma do STF, julgamento em 03.06.2014, DJe de 31.07.2014)
[2] MOEHLECKE, Sabrina. Ação afirmativa: história e debates no Brasil. Cadernos de pesquisa, n. 117, p. 202, nov./2002
[3] “É inquestionável que a contratação pública apresenta uma relevância socioeconômica. A atividade contratual do Estado não se constitui apenas em instrumento para atender necessidades administrativas. O montante de recursos desembolsados pelos entes estatais para satisfação de suas necessidades é muito relevante e afeta a atividade econômica em seu conjunto.” (JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratações Administrativas. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021, p. 148)
[4] In Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. v. 1. Coordenado por Cristiana Fortini, Rafael Sérgio Lima de Oliveira e Tatiana Camarão, Belo Horizonte: Fórum, 2022, p. 195.
[5] HEINEN, Juliano. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 2ª ed. São Paulo, Juspodivm, 2022, p. 113.
[6] OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Licitações e Contratos Administrativos: teoria e prática. 12ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2023, p. 364, sem negrito no original.
[7] LEITÃO, Gisella. Licitações públicas antidiscriminatórias: as ações afirmativas na Lei nº 14.133/2021. Belo Horizonte: Fórum, 2024, p. 81-84, sem negrito no original
[8] Tais finalidades foram ratificadas inúmeras vezes pelas Cortes Superiores: “A licitação é um procedimento que visa à satisfação do interesse público, pautando-se pelo princípio da isonomia. Está voltada a um duplo objetivo: o de proporcionar à Administração a possibilidade de realizar o negócio mais vantajoso — o melhor negócio — e o de assegurar aos administrados a oportunidade de concorrerem, em igualdade de condições, à contratação pretendida pela Administração.” (ADI nº 2.716-RO, rel. Min. Eros Grau, Pleno do STF, DJe de 06.03.2008)
[9] NIEBUHR, Joel de Menezes. Dispensa e Inexigibilidade de Licitação Pública. São Paulo: Dialética, 2003, p. 38
[10] OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Nova lei de licitações e contratos administrativos comparada e comentada. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022, p. 133.
[11] “Art. 92. São necessárias em todo contrato cláusulas que estabeleçam: (…) XVII – a obrigação de o contratado cumprir as exigências de reserva de cargos prevista em lei, bem como em outras normas específicas, para pessoa com deficiência, para reabilitado da Previdência Social e para aprendiz;”
[12] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratações Administrativas. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021, p. 880
No mesmo sentido da obrigatoriedade de juntada da declaração: HEINEN, Juliano. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 2ª ed. São Paulo: Juspodivm, 2022, p. 414.
[13] OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Licitações e Contratos Administrativos: teoria e prática, op. cit., p. 365.
[14]AÇÃO CIVIL PÚBLICA. VAGAS DESTINADAS A PESSOAS PORTADORAS DE DEFICIÊNCIA. PREENCHIMENTO. ART. 93 DA LEI 8.213/91. MULTA. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL COLETIVO. ABSOLVIÇÃO. PERSISTÊNCIA DA OBRIGAÇÃO LEGAL. 1. Conquanto seja ônus da empregadora cumprir a exigência prevista no art. 93 da Lei 8.213/91, ela não pode ser responsabilizada pelo insucesso, quando ficou comprovado que desenvolveu esforços para preencher a cota mínima, sendo indevida a multa bem como não havendo falar em dano moral coletivo. 2. A improcedência do pedido de condenação da ré ao pagamento de multa e de indenização por dano moral coletivo fundada no fato de a empresa haver empreendido esforços a fim de preencher o percentual legal de vagas previsto no art. 93 da Lei 8.213/91, não a exonera da obrigação de promover a admissão de pessoas portadoras de deficiência ou reabilitados, nos termos da lei. Recurso de Embargos de que se conhece e a que se dá parcial provimento. (Processo: E-ED-RR – 658200-89.2009.5.09.0670 Data de Julgamento: 12/05/2016, Relator Ministro: João Batista Brito Pereira, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 20/05/2016).
I – AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. LEI N° 13.015/2014. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TUTELA INIBITÓRIA. OBRIGAÇÃO DE FAZER. CONTRATAÇÃO DE PORTADORES DE NECESSIDADES ESPECIAIS E REABILITADOS. NÃO PREENCHIMENTO INTEGRAL DA COTA. Nos termos da jurisprudência desta Corte, não é cabível a condenação da reclamada pelo não preenchimento das vagas destinadas por lei aos portadores de deficiência ou reabilitados quando a empresa empreendeu todos os esforços possíveis para a ocupação das cotas legais, deixando de contratar a cota mínima por motivos alheios à sua vontade. Na hipótese, o Tribunal Regional manteve a sentença que absolvera a reclamada da obrigação de fazer, consistente no preenchimento de vagas de postos de trabalho para deficientes, ao fundamento de que a reclamada envidou esforços no sentido de divulgação de vagas e contratação de pessoas portadoras de necessidades especiais, sem, contudo, obter sucesso no preenchimento da cota mínima legal exigida pelo art. 93 da Lei 8.213/1991, em face da insuficiência de candidatos, acrescentando que não se evidencia conduta recalcitrante ou deliberada da empresa no sentido de furtar-se ao cumprimento da norma legal. Conclusão fática diversa somente seria possível mediante o revolvimento do conteúdo fático-probatório produzido nos autos, procedimento vedado nesta fase processual, diante do óbice da Súmula 126/TST. Agravo de instrumento a que se nega provimento.
II – RECURSO DE REVISTA. LEI N° 13.015/2014. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONTRATAÇÃO DE PORTADORES DE NECESSIDADES ESPECIAIS E REABILITADOS. NÃO PREENCHIMENTO INTEGRAL DA COTA. DANOS MORAIS COLETIVOS. INDEVIDOS. INEXISTÊNCIA DE CONDUTA ILÍCITA. Trata-se de ação pública civil proposta pelo Ministério Público do Trabalho que requer a condenação da reclamada em danos morais coletivos em razão do não cumprimento integral do previsto no art. 93 da Lei 8.213/1991. O Tribunal Regional manteve a sentença que indeferira o pedido sob o fundamento de que a reclamada envidou esforços no sentido de divulgação de vagas e contratação de pessoas portadoras de necessidades especiais, sem, contudo, obter sucesso no preenchimento da cota mínima legal exigida pelo art. 93 da Lei 8.213/91, em face da insuficiência de candidatos, de modo que não se mostra possível atribuir-se à empresa conduta deliberada de recusa à contratação de trabalhadores deficientes e reabilitados ou eventual prática discriminatória. Nesse viés, verifica-se que a empresa empreendeu esforços a fim de cumprir a exigência legal, não obtendo êxito integral na sua empreitada por dificuldades alheias a sua vontade, não podendo ser penalizada pelo não atingimento completo do percentual previsto no art. 93 da Lei 8.213/1991. Precedentes. Recurso de revista não conhecido. (PROCESSO Nº TST-ARR – 1588-24.2015.5.09.0654)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO RECORRIDO PUBLICADO APÓS A VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. PREENCHIMENTO DE VAGAS DESTINADAS A PESSOAS COM DEFICIÊNCIA OU REABILITADAS – ARTIGO 93 DA LEI Nº 8.213/1991 – DESCUMPRIMENTO DO PERCENTUAL POR MOTIVOS ALHEIOS À VONTADE DA EMPRESA – IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DE MULTA – DESCONSTITUIÇÃO DO AUTO DE INFRAÇÃO. TRANSCENDÊNCIA DA CAUSA NÃO EVIDENCIADA. O processamento do recurso de revista na vigência da Lei nº 13.467/2017 exige que a causa apresente transcendência com relação aos aspectos de natureza econômica, política, social ou jurídica (artigo 896-A da CLT). Sucede que, pelo prisma da transcendência, o recurso de revista não atende a nenhum dos requisitos referidos. No tocante especificamente à transcendência política, cumpre ressaltar que não restou demonstrada contrariedade à súmula, orientação jurisprudencial, precedentes de observância obrigatória e jurisprudência atual, iterativa e notória do TST. Também não trata de matéria em que haja divergência atual entre as Turmas do TST, a recomendar o controle da decisão recorrida. Destaque-se que a jurisprudência desta Corte Superior se orienta no sentido de que não é possível a condenação da empresa pelo não preenchimento das vagas destinadas, pela Lei nº 8.213/91, a pessoas com deficiência ou reabilitados quando restar demonstrado que tal empresa empreendeu todos os esforços possíveis para a ocupação das vagas, deixando de cumprir por motivos alheios a sua vontade, hipótese dos autos (precedentes). Efetivamente, o quadro fático delineado no acórdão regional revela que a empresa agiu de maneira proativa para alcançar o preenchimento das vagas destinadas a pessoas com deficiência ou reabilitadas, de modo que o preenchimento da cota só não foi cumprido por motivos alheios à sua vontade. Deste modo, estando a decisão recorrida em consonância com a jurisprudência desta corte, descabido o processamento do recurso de revista, ante os termos do artigo 896, § 7º, da CLT, e da Súmula nº 333, do TST, inclusive com base em dissenso pretoriano. Agravo de instrumento desprovido. (Processo: AIRR – 297-40.2020.5.12.0036 Data de Julgamento: 25/05/2022, Relator Ministro: Renato de Lacerda Paiva, 7ª Turma, Data de Publicação: DEJT 03/06/2022).
AGRAVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. DANO EXTRAPATRIMONIAL COLETIVO. INOBSERVÂNCIA DE CONTRATAÇÃO MÍNIMA DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA E REABILITADAS DA PREVIDÊNCIA SOCIAL. ART. 93 DA LEI Nº 8.213/1991. INEXISTÊNCIA DE CONDUTA ILÍCITA. SÚMULA Nº 126 DO TST. ART. 896, § 7º, DA CLT. SÚMULA Nº 333 DO TST. A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que inexiste direito à indenização por dano extrapatrimonial coletivo, quando a empregadora, sem sucesso, empreende esforços para preencher a cota mínima de vagas destinadas a trabalhadores com deficiência e reabilitados da Previdência Social, prevista no art. 93 da Lei nº 8.213/1991, como no presente caso, por ausência de conduta ilícita, pressuposto da responsabilidade civil. Precedentes. Agravo a que se nega provimento. (Processo: Ag-AIRR – 11234- 05.2015.5.15.0068 Data de Julgamento: 30/03/2022, Relator Ministro: Amaury Rodrigues Pinto Junior, 1ª Turma, Data de Publicação: DEJT 01/04/2022).
RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DA LEI Nº 13.467/2017 – AÇÃO ANULATÓRIA DE AUTO DE INFRAÇÃO – CRITÉRIO PARA CUMPRIMENTO DO ART. 93 DA LEI Nº 8.213/91 – DIVULGAÇÃO EM JORNAL E INTERNET – OFERECIMENTO DE VAGAS – TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA. 1. É possível depreender do acórdão regional a mobilização da Autora no sentido de promover campanhas com o intuito de contratar trabalhadores na forma exigida pelo art. 93 da Lei nº 8.213/91. Há prova nos autos de que ofereceu vagas e procedeu a convocação em jornal e pela internet. 2. Esta Corte já se posicionou no sentido de reconhecer o ônus da empregadora pelo cumprimento das exigências do art. 93 da Lei 8.213/91, mas de afastar sua responsabilidade pelo insucesso em contratar pessoas com deficiência, em razão dos esforços comprovadamente empenhados. Julgados. 3. O art. 93 da Lei nº 8.213/91 não especifica as condições de cumprimento da cota legal. Assegura tão-só percentual de contratação de empregados com deficiência. Recurso de Revista conhecido e provido. (Processo: RR – 1002364- 57.2016.5.02.0204 Data de Julgamento: 07/06/2022, Relatora Ministra: Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, 4ª Turma, Data de Publicação: DEJT 10/06/2022).
RECURSO DE REVISTA DO MPT DA 3.ª REGIÃO. INTERPOSIÇÃO ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI N.º 13.015/2014. AUTO DE INFRAÇÃO. DESCUMPRIMENTO DO PREENCHIMENTO DA COTA DE PESSOAS PORTADORAS DE NECESSIDADES ESPECIAIS. ART. 93 DA LEI N.º 8.213/91. IMPOSSIBILIDADE MATERIAL. A atual e iterativa jurisprudência desta Corte é no sentido de que comprovada a promoção de esforços para a admissão de portadores de deficiência e reabilitados, sem alcançar, todavia, o número de empregados nessas condições, fica afastada eventual ofensa às disposições contidas no art. 93 da Lei n.º 8.213/91. Precedentes. Incidência do art. 896, § 7.º, da CLT e da Súmula n.º 333 desta Corte. Recurso de Revista não conhecido. (ARR118100-84.2009.5.03.0002, 1ª Turma, Relator Ministro Luiz Jose Dezena da Silva, DEJT 26/04/2019).
AUTO DE INFRAÇÃO Nº 016397550. ART. 93 DA LEI Nº 8.213/91. PERCENTUAL DE VAGAS PREVISTAS PARA BENEFICIÁRIOS REABILITADOS OU PESSOAS PORTADORAS DE DEFICIÊNCIA. EMPRESA QUE PROCUROU DAR CUMPRIMENTO À NORMA. Não se pode penalizar a empresa que buscou, embora sem êxito, preencher a cota prevista no art. 93 da Lei nº 8.213/91, enviando, inclusive, mensagens eletrônicas ao serviço de recrutamento de pessoal de Chapecó/SC e ofício ao INSS, oferecendo oportunidades de emprego. A aplicação do dispositivo não pode se distanciar do princípio da razoabilidade, notadamente quando demonstrada a dificuldade de se encontrar profissionais deficientes e habilitados para o preenchimento do cargo. Demonstrada a boa-fé da empresa e seus esforços em inserir deficiente físico em seu quadro, impõe-se a declaração de nulidade do auto de infração. Recurso de revista conhecido e provido. (Processo: RR – 3993-30.2010.5.12.0038 Data de Julgamento: 04/09/2013,
Relator Ministro: Aloysio Corrêa da Veiga, 6ª Turma, Data de Publicação: DEJT 20/09/2013).
RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DA LEI Nº 13.467/2017 – AÇÃO ANULATÓRIA DE AUTO DE INFRAÇÃO – CRITÉRIO PARA CUMPRIMENTO DO ART. 93 DA LEI Nº 8.213/91 – DIVULGAÇÃO EM JORNAL E INTERNET – OFERECIMENTO DE VAGAS. 1. É possível depreender do acórdão regional a mobilização da Autora no sentido de promover campanhas com o intuito de contratar trabalhadores na forma exigida pelo art. 93 da Lei nº 8.213/91. Há prova nos autos de que ofereceu vagas e procedeu a convocação em jornal e pela internet. 2. Esta Corte já se posicionou no sentido de reconhecer o ônus da empregadora pelo cumprimento das exigências do art. 93 da Lei 8.213/91, mas de afastar sua responsabilidade pelo insucesso em contratar pessoas com deficiência, em razão dos esforços comprovadamente empenhados. Julgados. 3. O art. 93 da Lei nº 8.213/91 não especifica as condições de cumprimento da cota legal. Assegura tão-só percentual de contratação de empregados com deficiência. Recurso de Revista conhecido e provido. (Processo: RR – 2249-26.2015.5.11.0014 Data de Julgamento: 29/05/2019, Relatora Ministra: Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, 8ª Turma, Data de Publicação: DEJT 31/05/2019).
RECURSO DE REVISTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONTRATAÇÃO DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA FÍSICA E REABILITADOS. ARTIGO 93 DA LEI N.º 8.213/91. IMPOSSIBILIDADE DE CUMPRIMENTO. O Tribunal Regional, com base no conjunto probatório dos autos, consignou expressamente o intuito da requerida de cumprir o estabelecido no artigo 93 da Lei nº 8.213/1991, tendo tomado atitudes concretas com vistas ao seu enquadramento nos ditames da legislação aplicável, embora não tenha alcançado êxito. A jurisprudência desta c. Corte Superior firmou-se no sentido de que comprovada a real impossibilidade de atendimento às cotas estabelecidas no artigo 93 da Lei 8.213/1991, tendo a empresa utilizado de todos os recursos disponíveis para o atendimento da norma, não há que se falar em condenação por dano moral coletivo. Precedentes. Recurso de revista não conhecido. CONCLUSÃO: Agravo de instrumento da empresa requerida conhecido e desprovido. Recurso de revista do Ministério Público do Trabalho não conhecido. (ARR-762-24.2014.5.09.0010, 3ª Turma, Relator Ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte, DEJT 07/12/2018).